sábado, 16 de abril de 2011

Manhã

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Vivo ainda, na curta manhã da vida
Enquanto o sol tenta despertar da noite
Não é, senão mais, que uma corrida
Um dia inteiro a percorrer sem erros,
Um caminho de obstáculos cheio
Em que, bem lá do fundo alheio
Sorteia quem pode ou não passar
Pelas barreiras naturais a enfrentar;

Não sei mesmo o que sequer é viver
Mas também, quem como eu pode dizer
Conhecendo só a manhã e pouco mais
Que sabe o que é a vida, sem sinais?

São as primeiras horas do dia
São os primeiros passos sozinho
Sou a criança que sem saber corria
Para um abismo malvado e traiçoeiro
Sem que alguém me deitasse a mão
E me arrancasse agora a recordação
De um obscuro precipício de cegueira
Que se aproxima dos pés pela soneira;

Um sono, uma ingenuidade genuína
Um horizonte ainda baço pela neblina
Assim é a manhã em que hoje vivo
Enquanto da vindoura tarde sou fugitivo.

Formas e Maneiras

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Espelho, meu espelho, o que vejo em ti
É uma mistura na qual eu me perdi
Não é mais que incógnitas e incertezas
Que fazem do ser que agora reflectes
Um saco opaco repleto de tristezas;

Confesso que por vezes não me reconheço
Mas de uma coisa sei e não me esqueço
Mudo tanto que quase mudo a mudança
E isso mesmo talvez seja ou não a causa
Da diferença e da falta de confiança;

Invento-me de tal maneira estranha
Ridícula ou não, sou capaz dessa façanha,
Conjugando-me entre formas e maneiras
Perco o cerne próprio que me constitui
E moldo-me em função das minhas asneiras;

Perdoai-me a rudeza com que vos recebo
Mas não pensem que disso não me apercebo
Sou-o não porque sou mas porque escolho
Escolho simplesmente sê-lo sem razão
Um ser que não se é quando olho-a-olho;

Se é protecção ou não, não o confirmo
Nem prometo que toda a frase que afirmo
Seja a mais sincera que pudesse invocar
Do ínfimo buraco que de mim é eterno
Que de verão ou inverno, nele irei afundar.

Esperança Inútil

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Olho-te ao longe numa distancia segura
Para que não te apercebas do quão perto
Está meu corpo e alma, de que estou certo,
Amam-te de uma maneira inteira e pura
Que não cura a ferida da transparência
Que sou, aos teus olhos sem tendência;

Sem tendência nem sequer a capacidade
De me olharem e verem mais do que eu
Verem um sentimento que apesar de meu
Não o seria antes da tua bela bondade
Tocar a fraca fragilidade do meu interior
Interior que sem ti não sabia o que era amor;

Oh, como dói saber que a proximidade
De nada me serve, quando o impossível
Absorve a já escassa realidade credível
E me deixa só e a flutuar na infinidade
De esperanças inúteis e desnecessárias
Recordações sem valor, fúteis e precárias;

Por mais que me falte a força ao ver-te
Por mais que me atrapalhe num simples olá
O que aconteceu ou foi feito, feito está
E apesar de saber que nunca vou ter-te
E querer-te ser cada vez mais sonhar
Nunca vou deixar de no amor acreditar.

Pássaros Voam

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Partam em busca de mais sucesso, irmãos
Um sucesso que viram fugir-vos das mãos
Um sucesso que na vossa terra não vos viu
A mesma que teve o pão e não vos serviu;

Voai até ao destino que sempre vos esperou
Um destino que no ruído da esperança entoou
A voz da dor e de uma distancia mais distante
Que sem contarem apareceu-vos num instante;

Não temam, não chorem, logo será o mesmo
A planta na água cria raiz por sua natureza
Não se prendam à terra nem sequer à pobreza;

Mas há sempre quem fique a ela agarrado
Os mais velhos, porque só mortos dela saem
E os mais novos, pois de seu berço não caem.

Traição

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Uma confiança cega, inteiramente opaca
Que nega um conhecimento perspectivo
De uma aquisição, intuitivamente viva
No intrínseco núcleo, neutro e subjectivo.
Que confiança, porquê tanta e tão focada?
É tão grande assim a crença inoculada?
Certamente nem sequer a mina merece
A água que lá nasce e por isso se esquece;

Escritas bíblias, acontecimento inevitável
Se proclamada fosse a palavra de ordem
Para que nessa linhas fossem proferidas
As traições adormecidas, oh, não acordem
Não façam renascer a dor da vil facada
No elo que unia dois opostos sem fachada
E que por isso estivesse sempre subentendido
O embuste de uma atitude sem sentido;

Lavadas são as faces agora, de lágrimas
Por não se acreditar na própria incapacidade
De ter percebido o mal em que estava metido
E a insanidade de uma traição sem piedade,
Era-se capaz de jurar que seria impossível
Alguém sendo alguém descer a esse nível,
Chora-se por não se saber o que agora se sabe
E reza-se para que a muralha não desabe;

É para muitos o pior que podia ser feito
E para outros tantos uma necessidade satisfeita
Uma maldade já entranhada na pobre miséria
De uma alma assim, irremediavelmente desfeita
Espera-se no fim, neles o arrependimento
E que se abata sobre estes seres o desalento
E o descontentamento por tão triste acção
Que alguém um dia lhe chamou de traição.