segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Acidez Interior

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É como instinto, tal e qual um animal
Que por mais que saiba que está a agir mal
Não muda, não pára, tornando-se um monstro
Isto é aquilo que sou é aquilo que demonstro;

Natureza selvagem que me absorve,
E que não consigo evitar que me estorve;

Herança? Meio envolvente? Qual será sua origem
Que mesmo do pico da desgraça, não sente vertigem
Uma revolta escondida por detrás do cordeiro
Que em lobo se torna em prol do maligno feiticeiro

Oh mal que me corres as finas veias
E sugas-me o bem que tanto me anseias;

Como difícil é ser-se assim, sentindo a raiva dentro de mim
Como poderei eu pôr, neste bicho que me da dor, um fim
Sentimentos incontrolavéis e tristemente materializados
São somente maléficos, inutéis, infelizmente realizados;

Só um fim me salvará deste desvio,
Um caminho mal seguido, uma vela sem pavio.

Natureza Justa

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Jaz agora o corpo á mercê do tempo
Despejado entre o silvado que o rodeia
O que outrora fora um homem jubiloso
Agora não passa de um saco de carne feia
Com um ar endurecido, macabro e assombroso;

O que foi o topo da cadeia, agora é o fundo
Servindo de banquete a necrófagos famintos,
De que te valeu a fortuna e toda a grandeza
Todo esse teu medo, todos esses labirintos
Para agora apodreceres como toda a natureza?

Pois é, deixou-te ficar mal o teu coração
Não esperavas tão estranho meio envolvente
Em que irias finalmente conhecer o teu fim
Não pensavas tu nisso quando essa gula demente
Te deixava a vontade de saciar num fernezim;

Imóvel, frio, inchado, podre e nauseabundo
Quem diria que o ser que todo se mexia
Era o mesmo que agora jazia entre o mato
E que se consumia de uma putrefacção esguia
Já poupado por um tempo deveras sensato;

Pobre homem que da terra te fizeste grande
Também ela merece o que toda a vida lhe roubaste
Mais justa morte não poderias tu vir um dia a ter
Que devolver á natureza o que para te fazer lhe tiraste
Uma justa e simples troca não qual tu tiveste de morrer.

Confesso

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Um sorriso, não basta
E um olhar talvez não chegue
Sei que nada disto é tudo, separado
Nada disto é mais que… fragmentado;

Não é por dizer que amo que amarei
Não é por dizer que te quero que farei por isso
Ou por dizer que espero um compromisso
Que lutarei,
Sei disso, sei e dói-me saber
Por assim não ser e medo eu ter
De afundar-me na própria diferença
No próprio desprezo e desavença;

Sabes quem sou, infelizmente
Ou mesmo acreditando que sabes já te dói
Por te apaixonares pelo ser que a alma te mói
Sou eu, sou assim, não sei se escolho ou não evito
Sinto-me estranho, estranhamente esquisito
Mas sei o que sinto, sei que sinto e sinto-o;

São tantas as palavras que te digo
E em quais acreditar? Parece até castigo
Por não conseguir adivinhar. Basta confiar,
Ou não, talvez baste apenas conhecer-me e acreditar.
Amar-te e amar é um tanto que não defino
São palavras que se aguardam em cada destino
Talvez não saiba o que é amar, por ser assim
Mas amo, porque olho o pôr do sol
E não vejo nele um fim…

Perfume

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Saio á rua nesta manhã fria de fevereiro
Sinto a fresca brisa debater-se sem cheiro
Que estranha sensação, vazia e em vão
Não me traz nada de novo senão… acréscimo
Um a-mais sem rodeios e sem riqueza
Que me arrefece o corpo num arrepio de frieza;

Pairando nas pesadas camadas de ar
Fluem guticulas aromáticas de um perfumar
Mais doce que a própria alegria de o sentir
O mais suave que na suavidade cabe
Mesmo desconhecendo a nascente de tal aroma
Sei-lhe a pureza que por inteiro me toma;

Flutuam-me os sentidos e pensamenos agora
Enquanto me é inoculado o que a paz chora
Mas deixo-me levar na onda deste perfume
E pelo lume que me queima a lívida certeza
De uma ligação profunda e desesperada
Ao fio ténue de uma alma desligada;

As peças conjugam-se a cada passo e suspiro
As duvidas saceiam á medida que o respiro
Não suspeito mais desta agonia que se me cria
Sei agora o que me fora roubado pela sedução
Sem fé ou debução afirmo sem arrependimento
Este perfume não é mais que um sentimento…

Inverno d'Alma

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Frio ríspido de inverno
Palavras que se escrevem num vulgar caderno
Palavras reflectidas por uma natureza
Que desconhece a sua própria dureza;

Chegados os meses fatais
Caem sobre a terra gelada restos mortais
O que outrora fora o verde luminoso
Em tempos de um sol ainda bondoso;

São agora sinais de uma vida
Que ao sabor do vento sentem a caída
Um único momento de voo verdadeiro
Segundos puros em dias de Janeiro;

O gelo cobre cada cor
Inibe qualquer flor de sentir o calor
Do sol que nasce por detrás da montanha
Nas madrugadas que a luz arranha;

Nada mais isto é
Que uma mera alma sem fé
Uma carne fria despojada de sentir
Arrefecendo no repouso do seu sucumbir;

Um puro inverno interior
De um ser que gela sem amor
Coitado, vive sem sequer saber que o faz
Ou não vive e acha que assim está em paz.

Papagaio

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Voa o leve papagaio
Vergando ao vento que o domina
Preso no dedo da criança
Num movimento que a fascina
Assim passa tardes inteiras
Fugindo à dor e ás rasteiras
Vergando ao vento que o domina
O papagaio que a fascina

Movimentos de esperança
Ondulatórias vibrações
Torce o espírito da criança
Inunda-a de emoções
Não mais, ela, espera ver
Tamanha paz aparecer
Nas noites que lhe apagam
Lembranças que amargam

Voa o frágil papagaio
Nos céus inalcansáveis
Voa, coitado, perdidamente
Voa ao sabor de ventos instáveis
De fraca matéria é feito
Corrompido pelo preconceito
Destrói as vértebras aos poucos
Este sentimento que é de loucos

Oh triste, porque não voas
Nem mais és que a felicidade
E no integro de uma alma
Morres tu de ingenuidade
Pairas assim sem saber porquê
Num céu que nem se vê
Flutuando na inócua eternidade
De uma juvilosa novidade.