segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Nevoeiro

.
Neblina, que me ofusca, matinal
Que encobre os raios do amanhecer
E me nega o calor do sol nascer
Humedece o meu corpo desigual
Desconfortando a alma alojada
E apagando a chama apagada

Nevoeiro que escureces a visão
Deturpas a realidade de tal maneira
Que chego a pensar estar à beira
E nem longe ainda estar da sensação
Em tocar e agarrar o meu objectivo
Que afastado de mim vive inactivo

Papel da noite imperando no dia
Fiel amigo este e conselheiro dela
Que dá aos sentidos a má sequela
Impedindo-os de o serem em demasia
Restringem-se a sê-lo apenas em nome,
Reles turvês que os passos come

No bosque da vida as trevas reinam
Com a inegável ajuda de seu criado
Impustor diurno e transfigurado
Onde as crias maldade nele treinam
Filhas obdientemente cegas a seu pai
Mal que depois de entrar, já não sai

Dificuldades e obstáculos não faltam
No íngreme caminho neste bosque
Em que por mais que a trave se enrosque
Não impedirá a luta que hoje exaltam
Meus seres pelo seu digno percurso
Como um rio, livre no seu curso.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Elogio

.
Vontade irreconhecível
Aos olhos dos desatentos
Uma força imprescindível
A quem não segue os lentos

Por mais que custe perceber
Esta é a pura realidade
Todo o ser que se faz ver
Quer provar sua qualidade

Simples gesto ou acto
Doutrem terá de vir
Seja hipótese ou facto
Será o elogio a dicidir

Límpida fonte de felicidade
Próprio orgulho que é seu
Mais que mesmo a verdade
É estar liberta de um véu

Louvado seja quem elogia
Sem qualquer obrigação
Que tenham o sol do dia
Pelo seu bom coração.

Outono

.
Outono, como lúgubre acentas
E como tristemente apareces
Para rasgar o verde e a luz
O verde das paisagens que agora apodreces
A luz que agora fraca dá-te vida
Dá-te a verdadeira razão de seres assim
Que logo nascendo faleces por fim

Outono que fazes mudar e adormecer
As plantas que a ti obdecem
Terei eu o mesmo que elas fazer
Só porque és dono de nome
De alguém a quem os sorrisos esquecem?

Símbolo de desprezo és
Para quem não quer ser outro
Para quem consigo mesmo
Vive por si e não a teus pés
E vivem sem depender dessa mudança
Que obrigas a viver mesmo sem esperânça
Teus discipulos e obdientes seguidores
Leitores da tua biblia, pobres sem herança
Herança essa que não chega
Se por ela não fizerem nada
Herança que advém de vós
Se aí estiver enraizada
Mas se em vós não brota da nascente
A água própria que vos muda
Então sereis servis mediúcres do outono
Sem alma fertil que vos acuda

Força exterior maior que a de dentro
Uma realidade – é verdade
Mas a vós que vos deixais levar
Pela morte que vos nega o próprio andar
Deixai que vos diga minha interna fadiga
Por tentar perceber tal fracaço
Que leva a árvore a caír no espaço
Onde sómente apodrecerá sozinha.
Triste outono que em vós caminha!

domingo, 17 de outubro de 2010

Trabalhador

.
Homem endurecido pelo estalar do sol
Com mãos calejadas e gretadas
Que te tornam duro de coração mole

Habituado já pela própria obrigação
Sentes e sabes que mentes
Quando afirmas ser a tua vocação

Nasce o dia e já esperas pelo fim,
Voltar ao conforto do lar
E por uns dias poder ficar assim

Sentado na soleira á espera da hora
Segurando o pão na fraca mão
Aguardas o momento do ir embora

Momentos de olhares cruelmente vagos
Calados e quase apagados
Lembram-se de esforços mal pagos

Homem a quem a vida não iluminou
E que os passos foram escassos
Na corrente do tempo quase estagnou

Vive apenas porque tem de sobreviver
Para guardar e alimentar
A familia que prometeu proteger.

Inocência

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Inocente virtude brincando na estrada
Onde o mal que aí vive passa ao lado
Da ineficaz aprendizagem captada
Mal apreendida ou somente ignorada
Vive assim a brincar nos espinhos
A humilde criança abandonada

Rua, principal casa sua
Feliz, vive na ingenuidade da idade
A idade que lhe permite errar
Errar e não ser punida pelos maiores
Desejo dos grandes agora mais distante
Perdendo aos poucos o seu amante
Jeito de pequeno que o bem garante
Segura mas nem todo o mal cura
Da culpada alma não mais pura

Olho a jovem alma que me agita
E que me deturpa o reflexo da minha água
Já parada na calma que me irrita
Estranha estagnação adquirida
Ao sabor do vento que leva o tempo
Tento olha-la como uma partida
Para uma viagem ao meu passado
Recuo e não sinto vida
Sinto que foi um começo acabado

Na impossibilidade de a ser novamente
Resta-me a nostalgia somente
Nada volta atrás, vida é entropia
Crescer em vidas más, o mal é que nos cria
Rebento de uma nova flor
Sente o calor do meu amor
Sente o perigo e foge desse mal
Pois para ele, toda a gente é igual.

domingo, 10 de outubro de 2010

Termo

.
Mergulhado na desgraça
Vive o homem que se queimou
No próprio fogo que pegou
Vive agora na fumaça
Pobre homem que se matou

Cobardia, inconformismo
Escolhe assim facil caminho
Fugindo ao seu destino
Foge fazendo o laço
Frágil corda parece aço

Homem que mal tu fizeste
E te julgas agora ninguém
Tu próprio te colocas-te
Virado de costas para o bem

Desgraçado, amaldiçoado
Cometes agora maior erro
Pior que te enterrares
É provocar o teu enterro
Para da dor te efastares

Jazem por fim restos mortais
Baloiçando no desprezo
Da vida livre à morte preso
Desaguando no pobre cais
Lágrimas de actos fatais

Cego pela desilusão
Achava-se traído, esquecido
Alguém que não tinha perdão.
Triste final ele conquistou
Pobre homem que se enforcou.

Sabedoria

.
O que há de mim para se falar
Nada que me é parte ineteressa
Pelo menos a mim me corre a pressa
De me querer descobrir ou apreciar

Podridão que me corrói e se vê
Ou apenas se sente interiormente
Quando o meu poema se lê

Ai como eu queria saber escrever
As palavras que me vêm na alma
Palavras expressas num léxico pobre
Palavras que a minha ignorância encobre

Perdoem-me sabedores da literatura
Leitores prodígio de uma poesia pura

Perdoem-me a despresível incapacidade
Oriunda da minha verde e miúda idade
Talvez não me devesse achar escritor
E deixar-me ficar pelos traços de um leitor

Oro aos céus por uma maior sabedoria
Para que me dêm a luz que o sol não produz
Para que me dêm a paz de um novo dia!

Vento

.
Tu Vento que sopras
Deixa-me, por favor, voar
Deixa-me ser parte de ti
E contigo me libertar
Descansando tudo o que corri

É pesado este comboio que puxo
Sinto-me exausto e desiludido
Talvez porque não aceito
A realidade em que estou inserido
Ou talvez não seja capaz
De atingir a esperada estação
Mas não vou cair na desilusão
E este comboio não voltará para trás

Não volta para trás porque o puxo
E porque ainda tenho forças
Ainda vive o sonho em mim
De que esta viagem terá um bom fim

Oh Vento, não me sopres de frente
Não me devolvas para d’onde vim
Porque de lá quero eu me afastar
Para o meu destino poder alcançar
E se ao meu pedido não respondes
Digo-te apenas que não desisto,
Conheço já o mal que escondes.

Poder

.
Sarcófagos túrgidos de ouro
Trancados com chaves de ganância
Deambulam na própria ignorância
Ignorando conselhos exteriores
Como se conhecessem seus horrores

Gente cega pelo ofuscante brilho
Gente imune à medíocridade
Despojados de qualquer piedade
Julgam-se mais que os demais
E no fundo são todos iguais

Produtores do estrume da sociedade
Eles mesmos são culpados de o ser
Não mais que mísera crueldade
Na excêntrica vida em seu poder

Fazem-no e até com certo prazer
Ou por incapacidade de para baixo ver

Mas os de baixo, bons conhecedores
Têm noção do seu mesmo tamanho
Restringindo-se a guardar seu rebanho
Têm o orgulho a humildade e a boa fé
Que lhes fazem aguentar a esperânça de pé.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Pássaro

.
Oh pássaro como és livre
E mudas de casa sempre que voas
Vês o mundo raramente de baixo
E o teu grito no céu entoas

As asas te dão o que tudo quer
Voar para longe d’onde se está
Voar para onde melhor se estiver

A isso não dás tu importância
Até porque de mais natural não tens
De ramo em ramo tuas paragens
Vais ao céu e do céu vens

Ser vivo dos mais invejados
Pelos que na terra não têm asas
Há quem as tenha e estejam parados
Por pavor de saírem de suas casas
Louvados aqueles que sabem voar
Pelas asas do sonho que estão a sonhar.

Musica

.
Melodias harmoniosas
Ou meras melodias
Entranham-se para se esquecer dias
Em que as horas foram custosas

Batida atrás de batida
Ritmos conjugam tons
E só formando um arco-íris de sons
A musica é capaz de ser Sentida

Ouvir por mero ouvir
É ignorar a composição
É desprezar a própria audição
Que nos permite o som sentir

Infinitos emparelhamentos
De notas e pausas
Todos se ligam por certas causas
Mas nem todos invocam Sentimentos

Sentimentos vivos
Que mexem em nós
Os que estão mortos ou sós
Deambulando em lugares cativos

E os versos construindo
Letras que procuram
Atingir Sentimentos que perduram
Num coração que é bem-vindo

Eleva a outro nível
A alma que transporta
Um poder que se comporta
Como uma força imprescindível

E quando a vibração
Finalmente acaba
Tudo o que noutro mundo estava
Volta a cair de novo no chão

E a ilusão vivida
Não existe mais
E nos finais segundos fatais
Voltamos de novo à vida.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Emergir

.
Lugares novos, mundos diferentes
Pessoas desconhecidas outras esquecidas
Aqui, sou apenas eu e pouco mais
Aqui, somos todos iguais
Iguais mas diferentes felizmente
Mas nada é o que é certamente

Volto a ser criança, onde vivo
Tudo começa de novo outra vez
Ciclo que se repete nesta viagem
Uma viagem em constante paragem
Não volto propriamente ao início
Entro numa nova etapa, evitando o precipício

Porque a cada passo desconheço
O solo disfarçado que piso
Camuflado pela ilusão feliz
De fazer o que sempre quis
Pois então dou o passo que me faz cair
Num buraco de onde é dificil saír

E o sol que desperta as manhãs
Para além da noite acorda a realidade
E tudo volta a sentir o chão
Todo o sonho vivido na escuridão
Não passa disso mesmo e continua a dormir
O sonho de à superficie voltar a emergir.

Solidão

.
Divisões sozinhas, vazias
Anteriormente repletas de vida
Estão agora mortas à mercê do pó
Poeira que advém da partida
Do lar que vive só

Eco dos passos entoa nos corredores
Frios agora, quentes outrora
Perduram apenas vermes roedores
Roendo mobílias de quem foi embora

Solidão inesperada
Repentina e odiada
Nunca se está preparado para viver
Apenas acompanhado de nosso ser
Alguém com quem falar e ouvir
Corpo móvel fazendo-se sentir
Sentir sua presença viva
E a solene voz que cativa

Casa abandonada
Ao desprego por necessidade
Saudade acentuada
Pela dureza da realidade
E a vontade, essa vive longe
Ou não vive simplesmente
Porque vivendo sozinho…
Sobrevive-se sómente

E os dias tornam-se dolorosos
Quando á porta se espera alguém
Que se tem a certeza que não vem

Dor mais sofrida que sentida
Dor que esmaga o coração
Que outra dor poderia ser
Se não a dor da solidão?