domingo, 24 de janeiro de 2010

Avô(soneto)

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Ouço as palavras ocas que saem de ti
Vazias de sentido mas cheias de sentimento
Fala que eu sinto, fala que estou aqui
Para te ouvir, estou aqui neste momento

Sinto na tua mão a fraqueza da idade
E nos teus olhos o peso da saudade
Lutas mas o mal de ti não sai
E questionas-te se és realmente pai

Olham-te eles como um peso agora
Sentes-te como se do teu lar estivesses fora
Acolhe o meu conforto porque sabes onde mora

Desta solidão sei que queres fugir
E a dor um dia deixares de sentir
Infelizmente… sei que irás conseguir

Avô

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Avô que te aqueces agora na lareira
Aqueces esse corpo esquecido de idade
Vejo nesse olhar o ruído da saudade
Dos filhos que te faltam aqui á tua beira
Filhos e netos de quem já nem lembras o nome
A idade leva-te já, as ideias que o tempo come
E em silêncio gritas a pedir o teu perdão
Porque já não mais aguentas esta era de solidão
Era que te sinaliza o final dos tempos
E sentes a vida a escapar-te entre os dedos
Já não vale mais as “árvores” e os “rochedos”
Para te esconderes da tão indesejada hora
Que ainda distante, espero, mas que te mata agora
Avô que me molhas com o teu olhar triste
E que os tempos levaram a saúde que a vida te deu
Teu corpo agora verga mas de lutar não desiste
Molhas, de lágrimas estas “terras”, terras onde nunca choveu
Nunca choveu nem sequer o sol apareceu
Deste jeito vida cá não há nem pode haver
Pois nenhuma “planta” cresce sem água poder beber
Sentes o teu corpo aos poucos arrefecer
Por mais que te aqueças, essa chama não consegue evitar
O que os anos levaram e para trás deixaram ficar
Restos de memórias e lembranças que te fazem sentir
Culpado de inocência, por deste mundo vontade teres de fugir

Chuva

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É de noite e sinto a chuva chegar
O vento arrasta-a do horizonte para mim
Vem na minha direcção com a intenção de me molhar
Aceito a natureza porque a natureza é assim

Uma grande tempestade se avizinha
O frio chega e arrefece o meu olhar
Sinto fugir-me o calor que tinha
Sinto perder o meu bem-estar

Esta brisa húmida que molha minha cara
Disfarça as lágrimas que caem do meu rosto
Noite seca de água pura que não pára
Faz uma pequena luz servir-me de encosto

Luzes de calma e paz que aqui escasseiam
Dão-me o fio de esperança onde me seguro
E os pensamentos perdidos que em mim passeiam
São a única fonte de vida onde eu me curo

Noite que me envolves simpatizo contigo
Eu e tu somos um só que não se une
De ti tenho a paz e de mim o castigo
Que me torna forte e á dor imune

Será que esta tempestade acabará um dia?
Será que se manifesta dentro de mim ou lá fora?
Quando o sol brilhar e aquecer esta alma fria
Vou finalmente poder dizer, sou feliz agora

Sou um mero pescador de pensamentos
Onde o mar faz-se de mente e sensações
E as palavras perdidas neste universo de tormentos
São para mim o que eu chamo de emoções

Mar negro onde navego vive sem vida
Aqui não se vê luz mas ainda é muito cedo
As palavras abrandaram e acabou a corrida
Uma sensação aí vem e da tristeza eu tenho medo

Sinto as águas zangadas por baixo de mim
Vejo os pássaros das árvores esvaziarem os ramos
Algo de errado comigo se passa que não chega ao fim
Oh! Pássaros porque não juntos voamos?

Levem-me para longe, para onde eu não me veja
Dêem-me o dia que acabou com o chegar da consciência
Se morrer terá de ser que assim seja
E o meu significado para o bem será obediência

Vida

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Vida difícil devo ter
Mas com ela sei viver
Sei aceitar a diferença
Sei viver sem crença
Sei acima de tudo ter paciência
Porque o tempo corre e a vida acaba
E eu sem ela assim ficava
Entes tristes para trás deixava
Jazem aqueles que eu amava
Por isso peço que ultimo seja
A ver a luz que na manhã esteja
Do dia em que me apagarei
Da hora em que eu ficarei
Sem força para mais respirar
E a alma de mim voar
Mas se de mim calor não sentem
Então desejo ser o primeiro
A ir conhecer o tal barqueiro
Que me levará junto com os que mentem
Para o desconhecido do outro mundo
Ai vida que passas num segundo
E difícil para mim queres ser
Alguns momentos de muito sofrer
Mas sem eles o que os bons seriam?
Valor igual eles não teriam
Assim aceito minha existência
A viver preso na minha ausência
Mas do fundo do coração posso dizer
Não vejo a vida como uma penitência