terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Eu

.
Escrevo porque escrevo simplesmente
E faço-o como se vazio estivesse
Não sinto… não sonho as palavras
Saem ocas meramente
Saem como pedras de um rio
Molhadas, secadas somente pelo frio da gaveta
Ou pelo vento da sarjeta
Que soprado pelo desprezo de quem as lê
Depositam-se na lama que é a cama
De um escritor que não sente a chama
Não sente sequer o arder na alma
Dos versos construídamente sentidos,
(Sem sentimentos fingidos)
Mas sou obrigado porque não sei ser outro alguém
Outro alguém que escreve realmente o que sente;

Ai quem me dera ser poeta
Poetizar verdadeiramente e saber escrever
Quem me dera olhar as estrelas e poder ver
A aurora do lírico que me falta,
Poder apreciar o sumo da noite
Ou o calor do dia e daí tirar poesia…
Ai como me dói ser incapaz,
Mas não posso pedir mais que paz,
Paz comigo mesmo e com o nada que sou
Paz com o presente e com o passado que para trás ficou

(Oh senhores, verdadeiros literários
Como sóis vários e variados, serei eu também um?)

Gigantes das letras e da melodia das palavras
Procuro em vós uma razão para existir
Esta alma que em mim se faz emergir
Este pedaço de mim que não compreendo
Porquê em mim, porquê eu?
Nada disto caiu do céu, mas porque se escondia?
O que fez libertar este ser que escrevia
Nas paredes do meu coração nessa sua eterna solidão?

E agora,
Lêem isto e eu não percebo
Não entendo e me revolto
Prendo-me sem querer e não me solto,
Como de um momento para o outro mudei?
Como é que existia em mim e nunca por ele eu dei?
Questões que me encharcam de ignorância
Por na infância estar adormecido… ou talvez não,
Talvez nada disto tenha sido em vão
Talvez a tenha usado como um refúgio de ideias
De vivências e de experiências
Que moldaram o meu frágil barro
Com as suas mãos ásperas de dor
Frias – sem qualquer calor – e gretadas pelo mal.
Mas assim fui crescendo, fui sofrendo,
Beijado pelos dias que passavam indiferentes
Contados pelas horas de felicidade ausentes
Amargurados pelas chagas dos meus presentes!

E as vergonhas e os choros, tristezas e desilusões
Nada disto se me passou desconhecido
Nada disto merece comparação,
Apesar do próprio mundo ser uma completa comparação
Pois não teríamos noção se tudo fosse igual
Ou se um só exemplo conhecêssemos, é preciso comparar
E fazêmo-lo sem nos apercebermos
É instintivo, é o que destrói ou constrói
O ego de um ser qualquer… mas dói
Dói quando não pertencemos ao lado bom;
Quando somos o ruído de um som…

Como eu sofro e sofri por tudo o que vi e senti
Sinto e não desminto que muitas vezes fugi
Á dura realidade que me persegue
E á qual estarei sempre entregue.

Dores e mágoas que tento descrever
Nas palavras que agora estou a escrever
Sinto que não consigo, sozinho comigo,
Mergulhado na solidão que me educou
E fez de mim um alguém que não sou
Ou sou mesmo e não quero acreditar na realidade
E na infelicidade que é a podridão de uma alma,
Uma alma sem emoção que não aceita ajuda
Que por mais que seja dura, grita,
Grita invocando dos céus aquilo em que acredita
Luta contra os demónios que me atormentam o sono
E escuta a melodia do meu próprio abandono,
O despejo e o repúdio que sinto por mim,
A vontade de que tudo isto chegue ao fim
E eu seja livre, talvez já não em vida
Mas finalmente livre, realmente livre,
Do peso da maldade que me persegue e corrói
E a minha existência me mói
Que desfigura uma felicidade em mentira
E a alegria de ser verdadeiro me tira…

Como me cansa escrever,
É como se uma laranja fosse e me tivessem a espremer
E ficasse seca, sem mais nada para dar
Sem retorno ou voltar
Esgotado é como me sinto…

Escrevo porque escrevo e não sei porque o faço
Sou só um horizonte olhado por um vidro baço
Sou uma paisagem desértica
Sou como uma ave frenética à procura de espaço
Numa sociedade vulgar e desentendida.
Sou a árvore sem tronco,
Sou uma flor sem vida!

Oh meu Deus, perdoa-me por ser quem sou
Um ser a quem a alma o diabo levou
E agora? Que faço eu com este monte de carne
Mero invólucro sem valor… sem amor,
Pois tudo o que me fazia pouco, agora me vale de nada
Me vale tanto como na escuridão, uma vela apagada.
Assim sou eu… um vulto ofusco na noite
Uma sombra, pela luz do sol, morta
Uma escuridão que nem a lua conforta
Uma rua sem saída, uma casa destruída,
O escombro do desassossego…

Mas porquê falar de mim?
De assim falar estou eu cansado
Cansado de todo este enfado desnorteado
Desorientado como as minhas palavras,
Que por mais macabras que possam ser para mim mesmo,
Não me denunciam, pois em tudo que escrevo e escreverei
Irei mentir, e nunca mostrarei quem sou,
Talvez os códigos do que escrevo confessem
Os pecados, que o meu pano tecem,
Porque nem sempre me obedecem.

E o sonho, ai o sonho onde ele vai,
Será preciso morrer para reconhecido se ser?
Não sei, apenas experiências e vivências
Que os meus olhos captam involuntariamente
E que fingem temporariamente não existirem.
Oh, por mais que a vontade me tirem,
De me querer adivinhar num leque de bons
E me escureçam os tons do céu
Saberei sempre que ele é azul
Acreditarei sempre que um dia será meu...

Poeta

.
Ai, o que é ser poeta, não me questionem
Conjugo apenas palavras que, espero, funcionem
Quem sou eu para dizer que o sou
Um ninguém que por escrever, não mudou;

Um ninguém que sempre fui e continuo a ser,
Bocado de nada que não sabe o que é escrever
Espero eu não envergonhar quem me é mais alto
Este dom aos céus eu peço e também exalto;

Tão tenro e verde é este vazio, que sou eu
Preciso de subir aos ombros de quem vê o sol
De quem da terra já partiu e tocou no céu,

Falta-me deixar de ser o pequeno rebento
Da planta que nem da terra ainda brotou
Da planta que fazer crescer eu bem tento.

Lavadeira

.
Tu mulher, pobre lavadeira
Que lavas nessa água essa roupa
Suja pelas crias na brincadeira
Suja pelo homem que não poupa
E se destrói na bebedeira!

Sinto agora como é dura
E difícil essa tua vida
Parece que o bem não te procura
Ou até que dele andas fugida,
Pobre mulher, como és pura!

E esse esforço que parece em vão
Essa roupa que estás a lavar
Se romperá outra vez no chão
E voltar-se-á novamente a sujar
Sem ter por ti qualquer gratidão!

Sentes-te uma mulher sem valor
Que acarreta uma família
Sem qualquer carinho ou amor;
Como se fosses uma Tília
Na primavera sem flor!

E as marcas vão aparecendo
No teu rosto envelhecido
Marcas que vêm sendo
De um parceiro mal escolhido.
(A minha mão a ti te estendo!)

Sentado estou a olhar-te
E contigo irei permanecer
Ver as lágrimas molhar-te
E na tua cara correr
Raios de luz a enxugar-te!

Sabes que assim irás morrer
Sendo uma mísera lavadeira;
E eu mais não posso fazer
Do que estar á tua beira
Ver-te somente… sofrer!

Deus

.
Oh Deus o que és realmente
Um como eu na terra
Ou mesmo a imagem pertinente
Que não consigo perceber por mais que tente?
Não sei se és o mesmo para todos nós
Ou se um diferente em cada coração
Não percebo, desisto e em vão
Por mais que me doa a razão
Tenho que acreditar no que és para mim
Na maneira como te vejo
Uma presença que me provoca um fernesim
Um conforto, um aconchego, um desejo!

Oh Deus que não és mais que eu próprio
És o outro nome da confiança
És em nós a nossa esperança,
A lenda inventada por um alguém
Para nos fazer acreditar que existe luz
Quando mergulhados estamos na escuridão
E que por mais pesada que seja a cruz
Não faremos cama o nosso chão.
E rezamos, oramos à tua ajuda
Invocamos esse poder que nos muda
E nos torna fortes porque acreditamos
Que não nos deixarás sós.
O que é Deus afinal?
No fundo, somos todos nós!

Fiéis

.
Tocam-se os sinos da solitária igreja
Chamando os crentes pela sua fé
E mesmo tendo que vir de longe a pé
Vêm até por mais chuva que esteja,
Louvar a sua crença!

Fazem-no já quase por obrigação
Como que para o céu pensassem ir
E da sujidade da vida em paz fugir
Almas que não sabem para onde vão,
Nem no fundo, onde estão!

Criaturas enganadas pela falsa imagem
Dessa grandiosa e vil obra obscura
Que por detrás de uma suposta cura
Vive o mal de uma longa chantagem,
Desapercebidamente aceite!

E a difamação a injúria e o sarcasmo
Apoderam o olhar do crente silencioso
Afogado no próprio íntimo rancoroso
Para qual o mal é mero entusiasmo,
Passatempo e orgulho!

Á saída, no final d’aclamada eucaristia,
Depois de lavados os pecados semanais
E bem apreciadas as vestes dos demais
Á cova do pejúrio e da reles alma fria,
Voltam os fiéis!

Banal

.
O que é para mim
Um natal assim?
É uma festa sem começo
Sem meio nem fim
Uma alegria sem sentido
E um coração partido
Por não ter hoje mais
Os seus dois pais;

A alegria dos presentes
A tristeza dos ausentes
Por não poderem estar
Com os seus parentes,
Passa assim um natal
Como nunca houve igual;
(Uma família desligada,
Uma fogueira apagada)

Como tudo é em vão
Quando é feito sem coração
Como tudo é banal
Quando se faz sem emoção
Os bolos sobre a mesa
Recheados de tristeza
É mesmo realidade
Esta difícil saudade;

Oh que triste data
Por estes dias pacata
Acordas-me este ódio
Que por dentro me mata,
É apenas mais um dia
Sem um fio de alegria
Já não é mais o que era
O sentido que eu lhe dera;

Talvez um dia seja
O que o meu ser deseja
E que toda a família
Á volta da mesa esteja
Reunidos e em paz
Como há uns anos atrás
Voltando tudo a ser
Como estou a escrever;

Oh natal que partiste
Minh’alma agora insiste
Que voltes á casa
De quem tu desististe
Bate em meu coração
Que eu dar-te-ei a mão
Devolve a alvorada
Aos dias de consoada!

sábado, 25 de dezembro de 2010

Neve

.
Neva agora na esquecida aldeia
Entre as montanhas e no vale que a acolhe
Esperando que a paz também a molhe
E que de alegria fique então cheia
Por ver os flocos cair
E as crianças a sorrir;

Neva hoje como nunca antes nevara
Cobrindo os verdes campos de cultivo,
Fazem do branco um motivo festivo
Deliciam-se da neve que nunca mais para,
E assim se vai passando
Um lindo dia, só nevando;

Vão surgindo ás portas das casas
Frutos de uma imaginação de novidade
Em que, independentemente da sua idade,
Todas as ideias engraçadas ganham asas
E enquanto a história se escreve
Nascem os tais bonecos de neve;

Neva na aldeia, parece a primeira vez
Assenta o manto sobre as altas colinas
Como que vestindo de paz essas meninas
Paz que cobre o chão, do céu que a fez
E as pequenas habitações
Derretendo corações;

Mas o sol aparece na manhã seguinte
Penetrando como facas nos sólidos flocos
Que endurecidos pela noite, parecem blocos
Armados numa muralha de um pedinte
Nada pode agora evitar
O seu próprio descongelar;

Vão se descobrindo as terras novamente
Volta assim tudo a ser como sempre é,
E quase sem que ninguém por isto dê fé
Pingam das árvores o que era anteriormente
Um acontecer inacabável
De um sonho impensável.

Simetria

.
Por longínquos lugares onde a terra se gela
Onde caminha o preso na sua pequena cela
Arrastando o peso dos seus erros cometidos
E sendo o fardo que carrega nesta terra bela
Bela pela simples cor
Que fundindo-se comigo
Só me significa dor

A alma me endurece,
Este gelo que engrandece,
O desprezo por ser frio
Ou a força de não sentir
-Características que repudío;

O que é, á dor ser indiferente
Ou o amor não se mostrar
Nesta alma que não sente?
Fica assim, esperando o fim
Esta pequena parte de mim

Reflexo que me és simetria
Eu sou tu e não apenas eu
Nessa superfície fria,
Não sou muito mais que um objecto endurecido
Vagueando por caminhos, procurando encontrar
No meio de tanto nada um pouco de sentido
E deixar, finalmente, de nesta vida estar perdido.

Família

.
Família, o maior bem que poderíamos ter
Alguém próximo com quem contar e sofrer
Alguém para nos apoiar e também convencer
Das vezes que por maus caminhos enveredamos
Sem que disso nós sequer nos apercebamos;
Família, um diversificado leque de caras iguais
Apesar das mesmas origens, vivem dispersados
Mas mesmo assim, em momentos especiais
Todos se reúnem como nunca antes separados
E a união fortalecida pelo próprio envelhecer
O envelhecer das caras e dos tempos
Hoje é notável quando reunidos a reviver;

Mas nem todas as famílias são iguais
Nem todas são unidas como o deveriam ser
E como tal desmoronam sem que jamais
Voltem novamente a um diamante perfeito
Tornando-se num negro carvão desfeito
Parentes desencontrados ou entes zangados
Assim morrem famílias antigamente ligadas
Assim caem muralhas outrora sido levantadas
Este é o lado negro de uma suposta felicidade
São as traseiras de um imenso castelo
Cuja sombra não é mais que mera sujidade
E o seu interior não é minimamente belo.

Elo

.
Permutam palavras no meu inconsciente
Tristes signos de um pobre ser demente
Procuram construir uma frase que diga
Tudo o que agora sinto e me intriga
Mas não sei, não entendo e não consigo
Fazer-te entender tudo o que te digo
Ou pelo menos ser capaz de te mostrar
O que me vai na alma por hoje te amar;

Bloqueiam-se as vozes do meu coração
E o silencio se apodera desta minha canção
Ensopando o meu sentir de arrependimento
Por ter desperdiçado esse tal momento,
Não posso mais ignorar este pensamento
Não podes mais ignorar este sentimento
Pois sei bem o que sinto e não é mentira
Sei o pedaço de mim que por ti partira;

E agora que nossos corpos se aproximam
Corre-me a ânsia, vontades que desanimam
Por os teus lábios os meus não poderem beijar
Por nem sequer na cara te dever tocar
Porque não devo, não devo por não seres minha
E pelo ser que hoje ao teu lado caminha
Não ter a culpa de um inocente amor paralelo
Impedindo assim entre nós, o desejado elo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

História

.
Pisavam os pés o solto asfalto
Quando encontrei despejado na pedra
Um já velho molho de vida
Olhando o delírio da água em corrida
Num insólito riacho que ali jazia
Sendo um leve ruído
A única coisa que fazia

-Que faz homem, você aqui
Quase indiscernível da pedra
Sem ar de querer saber de si?
-Rogo e afogo mágoas, jovem
No fraco leito deste ribeiro
Desfocado pelo nevoeiro.

-Porquê mágoas meu senhor
Porquê nestas águas tenta você,
Livrar-se dessa suposta dor?
-Não sabes tu mas digo-te eu
Que só nós próprios nos curamos
Quando a nós próprios magoamos

-Que fez de mal na sua vida
Para que agora depois da juventude
Fujam-lhe as lágrimas sem partida?
-Não te irei escrever um livro,
É normal nessa tenra ingenuidade
Esse sentimento de curiosidade.

-Um livro não me irá escrever
Mas porque não me conta a razão
Por, na sua alma, estar a chover?
-Não chegam as margens deste rio
Para guiar a minha tempestade
Ou aguentar esta imensa saudade.

-Será então tudo isto nostalgia
Por já não haver hoje mais
O que no seu tempo havia?
-Enquanto vivo, tudo é meu tempo
E depois de velho ainda tento
Que não me leve a luz, este vento.

-Perguntas não lhe faço mais
Pois sei que não me irá responder
Assim como fez com as demais
-Pois a ti te digo, meu jovem
Que a todas as questões respondi
E que a nenhuma delas eu fugi.

Logo depois se levantou o homem
Sem mais nada dizer de sua boca
E desapareceu no nevoeiro cerrado
Como se nunca ali tivesse estado
Mas ali esteve ele, que eu sei
E num simples piscar
Do sonho acordei…

Vaidade

.
Os luxos imergem pelas caras
A estalar de alegria e desprezo
Não sabendo elas a agonia
Que é na pobreza estar preso;

O sapatear dos saltos entoa
No corredor do silêncio inócuo
Onde os olhares do meu tremor
Sabem perfeitamente o que foco;

Por mais que ignore a realidade
Não escondem as pessoas que são
Não escondem sequer o seu nojo
Por quem desgraçado esta no chão;

Não sei se têm culpa ou se é mérito
Do império da sua invejada nobreza
Que apesar do mistério da conquista
Não deixa de ser uma grande proeza;

Mergulhados em ouro até aos cabelos
Nem o mais íntimo escapa ao luxo
Ou o mais ínfimo pormenor estético
Que para a lama eu sem medo puxo;

Sempre de cabeça erguida essa gente
Que nem sente o que é ser diferente
O que é ser a escombreira da sociedade
Que sem essa vaidade assim não mente;

Não repudío a sua tamanha riqueza
Foram bens adquiridos com trabalho
Critico apenas os defeitos usufruídos
Sobre os que numa estrada são cascalho;

Haverá para sempre alguém como vós
Assim como nós alguém tem de haver
Sereis sempre o dia de um feliz sol
Seremos sempre o de um triste chover.

Lágrimas

.
Vem, deita-te comigo nesta verde relva
Olharemos o céu e ouviremos o canto das aves
Esquece ao meu lado que o mundo é uma selva
Faz de conta que o sabor da dor, tu não sabes
E que o tempo que comigo vês á frente passar,
Correndo somo se de alguém estivesse a fugir,
Vives intensamente para mais tarde recordar;

Vem, sente o calor da minha intensa presença
Sente que estou aqui e te olho suavemente
Como se o meu olhar magoasse a tua crença
Em que eu seria sincero, um ser que não mente
Dando-te a tranquilidade serena que te falta
O conforto de uma companhia que te idolatra;
O meu coração agora salta e aos céus exalta

Exalta a imensa alegria que agora inunda
As margens do meu rio com esse teu olhar
O olhar que depois da primeira vez ou segunda
Continua a colar-me a ele e a ele eu amar
Simplesmente porque somente não lhe resisto
Não preciso mais que apenas… estares aqui
E lutarei contra o tempo, pois por ti não desisto

Mas não consigo evitar estas lágrimas interiores
Choro por na realidade tu não estares ao meu lado
Caem lágrimas do meu degelo, intrínsecas dores
Um aperto deste dúctil coração que bate parado
Bate em função da dor pela distância do teu amor
Bate de sofrimento como se estivesse arrancando
Pétala a pétala da minha pequena e frágil flor

Resta-me levantar agora deste meu terreno frio
E sentir realmente a terra sob os meus pés
Tenho consciência de quem sou e por isso alivío;
Recomeçarei uma nova viagem á média-rés
Por vales e montanhas eu caminharei por igual
Na procura de uma impossibilidade mais possível
Na tentativa de encontrar um ser com menos sal.

Viajante

.
Sou um viajante sem rumo
Á deriva num mar de pensamentos
Onde da essência tristeza consumo
Sem saber para quê
Pois vivo sem porquê

Viajo numa nau perdida
Guiada pelo vento da bondade
Ela é a minha própria vida
Que sem velas
Depende delas

Que quero eu dizer com tudo isto?
Nada mais que a pura verdade
A verdade de que sou mesmo isco
De famintos tubarões
Num turbilhão de emoções

Predadores que ficam á espera
Do mais pequeno e meu, erro
Conseguir engana-los, quem me dera
Ser capaz de ter
Força p'ra os vencer

Viajo então infinitamente
Pois o universo é imensurável
Facto que ninguém me desmente
Facto que me fatiga
Já não sei o que diga

Não sei dizer o que penso
Nem sequer o que agora escrevo
Restrinjo-me ao comum do senso
E passo a ser o pobre
Que o saber não cobre

Oh vento que fazes a minha viagem
E traças a linha do meu horizonte
Não faças do meu cansaço paragem;
Do mar a terra
Ou da planície serra

Enche as minhas asas de tua energia
E move o que de parado está farto
Aquece a minha água que é fria
E eleva aos céus
Sonhos que são meus

Viagem que nem a meio vais
Sinto já o fim tão próximo
Sinto até que não vou mais
Ser capaz de navegar
Neste turbilhento mar.

Caderno

.
Aqui enxaguo pela tinta as minhas frases
Versos que conjugam diferentes fases
De um lírico pensar que me atordoa
E que tenho que aceitar por mais que doa
Penso e repenso cada palavra escrita
Exausto termino como que sugado fosse
Pela palavra que pelo céu não me é dita

Porque sei e em ti o escrevo meu caderno
Toda esta angústia que a alma me mói
De saber que este saber não é eterno;
Tento eu, exaustivamente, isso valorizar
Se não for mais, o que agora em ti escrevo
Se não for menos, pelo menos continuar

Desabafo nestas linhas o que de mim não sai
Elas são a chave d’uma fechadura perdida
São as guias de um contínuo tracejado
Que denunciam o meu próprio legado
Por mim lembrado numa voz esquecida

És o cofre onde guardo o meu integro vazio
És o poço onde se afoga a minha razão
Que sem sequer saber se quer, ter ou não
Morre, mesmo se eu tiver quem a quiser

Não consigo ser capaz de conseguir ser
Tudo o que o ilusório imaginário me dá
Tudo o que ao longe mantem o temer

É frustrante até escrever a dor que sinto
É doloroso saber que a mim mesmo minto

Sei então que me afundo no meu mundo!

Enigma

.
Leio o livro de uma vida
Urge o tempo e não encontro saída
Tento desvendar o significado
Arrancar as grades ao enjaulado

Caminhando ao longo das frases
A atenção redobra-se a cada espaço
Mesmo acreditando ser-se capaz
Inicia-se uma viagem passo a passo
Na procura do segredo escondido
Herdado a um começo desvanecido
Onde três símbolos se enunciam

Estrada, conquista, dura educação
Sabedoria que se adquire com o tempo
Começo que guarda a salvação;
Onde se encontrará a esperada chave
Lembra agora abrir a forte jaula
A quem ainda preso está na cave.

(Descobre os símbolos)

Conta-me

.
Conta-me mãe os meus segredos de criança
Conta-me o que fazia quando nem o mundo via
E apenas o conhecia quando caía sem esperança
De me levantar sem dor ou sem sangue
Esperando o ardor passar com o ténue sopro
E o rasgar das calças a mãe não zangue;

Conta-me mãe as asneiras que eu fazia
Os momentos de azia que me faziam chorar
E as horas que eu passava no sozinho dia
A tentar brincar acompanhado de mim só
Fazendo da sujidade o meu refugiado estar
Em que só o mexer da terra já era brincar;

Lembra-me mãe as memórias que perdi
Recorda-me a infância que até eu já esqueci
Triste culpa da minha frágil ingenuidade
Que vergonhas e maus passares me fêz viver
Rindo-se na minha cara da própria infelicidade
De uma criança que é obrigada a crescer;

Leva-me mãe ao passado por mim guardado
Na profunda gaveta do meu esquecimento
Nos confins da obscuridade plena e serena
Das águas calmas, minha integridade suprema
Que não perturbada guarda os meus segredos
Acontecimentos passados, ultrapassados medos;

Conta-me mãe a pobreza em que vivia
Conta-me o que sofria por não poder ter
O que nos outros via e eu também queria ser
Feliz como eles, crianças que nunca lutaram
Cheios como eles, os outros que ganharam
Se calhar sei tudo isto, mas mãe… conta-me!

Ruas

.
Entrelaçam a cidade como linhas
Prendem-na e sujeitam-na a elas
Tal como se fossem as minhas
Mágoas que deixaram sequelas

Ruas e ruelas, nesta noite passeio,
Como sois belas e assustadoras,
De histórias o cântaro está cheio
Cheio de memórias encantadoras

Procuro em vós a minha salvação
E um sentido para os meus passos
Passos que não têm orientação

Caminho eu agora sob cheias luas
E não sei onde anda minha alma
Nem sei se serão realmente ruas.

Ficção

.
Funde-se o imaginário nas minhas fortalezas
Consome a alma este fogo que me queima
Deixa-me nuamente imune ás fraquezas
E consinto com o mal que comigo ateima
Não sei quem sou quando olho o reflexo
E fico perplexo,
Como tudo mudou e hoje aprecio de fora
Uma verdade de outrora;

Será minha falsidade ou mesmo maldade
Que interrompe e desfoca a minha luz?
Será tudo isto uma simples e mera verdade
Que por obscuros e maus trilhos me conduz?
Gostava eu tanto de poder ser legítimo,
Ao meu ritmo,
De ser carne sã e não a carne amarga
Que é hoje minha carga;

Pobre ser que apodrece na própria mentira
E digerido pelos larvantes perfuradores olhares
Olhares que me furam como a larva que retira
De dentro de uma maçã conjuntos moleculares
Fica assim, recostado, o oco que me resta
E não atesta,
Não volta a encher o que por mal foi roubado
E de mim foi levado.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Doença

.
Oh dor que da minha carne é feita,
Todas as noites na minha cama se deita.
Porque escolhe tão energúmeno ser desaparentado
Para que seja assolado por sua escrava tempestade
Que devora corrompendo as asas ao amaldiçoado!

Sou eu sim a quem a dor escolheu,
Para me dar na terra, a vontade do céu.
Nada mais que uma escolha arbitrariamente falsa,
Executada por um destino moribundo e sem rumo
Onde o fumo do horizonte, sapatos de espinhos calça.

Ai como agoniar me faz esta doença
Quem me dera não lhe sentir a presença;
Quem me dera ser um barco no mar alto á deriva
Flutuando nas águas límpidas e tépidas do conforto,
Desprendido da âncora maliciosa, pesada e negativa.

Tomara a mim a dor não me conhecer
A dor da doença que hoje me faz sofrer.
O próprio pensamento de pobreza do meu potencial,
Realidade esta que me arranha a alma ao tentar digerir
E que me obriga e impõe uma vergonha existencial.

Noção tenho, que não estou no fundo
Do poço imundo que é este submundo;
Onde a lama me prende os passos que já não mais dou
E a voz me absorve, do grito mudo que vazio se escapa,
No oco do poço onde a minha pobre alma ali se criou.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

25

.
Celebrado já perto do fim
Ainda assim, se vai a tempo
Oferecem os três seus presentes
À luz nascida do ventre virgem
Em que os pecados são ausentes

Símbolo é de pura alegria
Mascote sua feita de neve
Resume-se tudo a só um dia
Que faz sonhar qualquer criança
Nunca perdendo sua esperança

Época de tanta importância
Época de tanto alarido
Que ao louvar o recém nascido
Se comprova a ganância
Pelo pobre objecto oferecido

Vêm os afastados parentes
Que num ano nunca aparecem
E agora na pequena mesa,
Histórias que não se esquecem.
Até os pobres são nobreza.

Se sabes tu a que me refiro
Diz a palavra que aqui falta
E se achares que está mal,
O tema que o poema exalta,
Não temas, é quase igual!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Raíz

.
Da raiz cresce a árvore bela
E da terra faz o seu alimento
Propria terra teu lar e tua cela
Onde nasce o livre sentimento
De não seres só, mas parte dela,
Vale de nada o arrependimento
Vives e porque vives és feliz
Vives para sempre ligada á raiz;

Nos quentes sóis, murcham folhas
Da mártir sede e da reles secura
E os ramos que foram tuas escolhas
Caem secos sobre a pedra dura
Espero que disso, lições recolhas
Que é essa a pedra que te segura
Oh água, que da terra não vens
Da-lhe tu, céu, que eu sei que tens!

Solo estéril, vil e abandonado
Onde aqui cresce a planta invisível
Como um barco mal ancorado
Na praia de um mar impossivel
Nascendo dali um fim inacabado
De uma frase morta e inlegível
Cresce planta em busca da luz
Cresce em busca do que te seduz!

Árvore que me és, infelizmente
Sinto a seiva que por ti acima sobe
Sei porque é que o céu te mente
Sei porque é que nunca te chove
E num mero instante, num repente
Também pára o vento que te move
Resta-te sómente esperar a morte
Na sombra onde não se sente sorte.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Precipício

.
A cada passo, teus pés ficando fragéis
O chão fica oco e susceptível a ti
Tu mesmo, porque és tu quem caminhas
Tu mesmo arriscas porque não adivinhas
Não conheces o que opaco é aos teus olhos
E tudo resume-se a uma simples procura
Que por mais pura que seja não esta a altura
De encontrar a cura, porque está escura
Está escura de mais esta noite, para se ver
Não há sequer luar para te poder ajudar
Ou uma mão que te apoie nesta solidão
Onde as pedras sob ti se soltam pelo peso
Que é aguentar um sonho de uma vida
O peso que é uma possível desilusão
Ou o romper de alguém que já mal lida
Com as constantes quedas nesta corrida
O próximo passo pode ser em vão, sem chão
O precipício que te espera já desde o inicio
Se calhar já destinado estavas a cair
Para que percebesses que lutar sozinho
É viajar sem a noção de um caminho
É agarrar-nos a nós próprios sem força
Não és nada por mais que por ti torça
Quem te quer o bem sem fazer por ele
És somente o vácuo do teu próprio sonhar
À espera de um novo sonho para por ele lutar!

Sono

.
Olho a minha alma aos poucos adormecer
Caindo no colo de um ser que me acolhe
Sinto a febre gradualmente a aparecer
Pela incapacidade de ver por mais que olhe
Ver a realidade a encharcar-me
Ver o sonho abandonar-me!

Sono soberbo que sabe o que sou sem ele
Faz falsamente calar quem não o quer fazer
Faz adormecer própria parte que é dele
Absorvendo o brilho sem o conhecer
Primeiro adormece a alma,
Depois o corpo, com calma!

Assim finda o dia que o sol hoje nos deu
Nascendo o assassino nocturno que mata
A visão do mundo e os passos no céu
O olhar moribundo de uma réstia pacata
Restos de uma fogueira
Não mais agora, que poeira!

Aprecio dolorosamente do meu canto
A inconsciência apoderar-se de vós
Tornar pedra o vosso doce encanto
Embaraçar a vossa linha em vários nós
Trocando-vos as voltas
Dessa linha de pontas soltas!

Sinto

.
Sinto por vezes que não sinto
Sinto que não sinto o que é bom
O que me deixa a embalar no tom
Da harmoniosa e quente melodia
Que sem eu me aperceber de tal
Da-me o lindo sol do dia
E a lua da noite por igual;

Sinto por vezes que não sinto
Que engano quem me rodeia
Que o mal faz de mim a ceia
De lamurias e de desassossegos,
Putrefacta dor que me envolve
Em amarrações e despregos
Dor que o repúdio não resolve;

Sinto por vezes que não sinto
Que não sou digno de ser feliz,
Não tenho hoje o que ontem quis
Não tenho o que sempre sonhei
Nem tão pouco sou alguém
Penso agora que nunca reparei
Que era menos que um ninguém;

Sinto por vezes que não sinto
Que minto na imagem que dou
E mostro ser quem eu não sou
Dói-me mais que tudo, ser assim
Odeio mentir sem me aperceber
Odeio isto não poder ter um fim,
O meu espelho não me conhecer!

Sinto por vezes que não sinto
Sentimentos puros de alegria
De tranquilidade e harmonia
Fluxo do sensível que bloqueia
Olhares calorosos que finto
E até a voz da verdade, alheia
Sinto por vezes que não a sinto!