terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Eu

.
Escrevo porque escrevo simplesmente
E faço-o como se vazio estivesse
Não sinto… não sonho as palavras
Saem ocas meramente
Saem como pedras de um rio
Molhadas, secadas somente pelo frio da gaveta
Ou pelo vento da sarjeta
Que soprado pelo desprezo de quem as lê
Depositam-se na lama que é a cama
De um escritor que não sente a chama
Não sente sequer o arder na alma
Dos versos construídamente sentidos,
(Sem sentimentos fingidos)
Mas sou obrigado porque não sei ser outro alguém
Outro alguém que escreve realmente o que sente;

Ai quem me dera ser poeta
Poetizar verdadeiramente e saber escrever
Quem me dera olhar as estrelas e poder ver
A aurora do lírico que me falta,
Poder apreciar o sumo da noite
Ou o calor do dia e daí tirar poesia…
Ai como me dói ser incapaz,
Mas não posso pedir mais que paz,
Paz comigo mesmo e com o nada que sou
Paz com o presente e com o passado que para trás ficou

(Oh senhores, verdadeiros literários
Como sóis vários e variados, serei eu também um?)

Gigantes das letras e da melodia das palavras
Procuro em vós uma razão para existir
Esta alma que em mim se faz emergir
Este pedaço de mim que não compreendo
Porquê em mim, porquê eu?
Nada disto caiu do céu, mas porque se escondia?
O que fez libertar este ser que escrevia
Nas paredes do meu coração nessa sua eterna solidão?

E agora,
Lêem isto e eu não percebo
Não entendo e me revolto
Prendo-me sem querer e não me solto,
Como de um momento para o outro mudei?
Como é que existia em mim e nunca por ele eu dei?
Questões que me encharcam de ignorância
Por na infância estar adormecido… ou talvez não,
Talvez nada disto tenha sido em vão
Talvez a tenha usado como um refúgio de ideias
De vivências e de experiências
Que moldaram o meu frágil barro
Com as suas mãos ásperas de dor
Frias – sem qualquer calor – e gretadas pelo mal.
Mas assim fui crescendo, fui sofrendo,
Beijado pelos dias que passavam indiferentes
Contados pelas horas de felicidade ausentes
Amargurados pelas chagas dos meus presentes!

E as vergonhas e os choros, tristezas e desilusões
Nada disto se me passou desconhecido
Nada disto merece comparação,
Apesar do próprio mundo ser uma completa comparação
Pois não teríamos noção se tudo fosse igual
Ou se um só exemplo conhecêssemos, é preciso comparar
E fazêmo-lo sem nos apercebermos
É instintivo, é o que destrói ou constrói
O ego de um ser qualquer… mas dói
Dói quando não pertencemos ao lado bom;
Quando somos o ruído de um som…

Como eu sofro e sofri por tudo o que vi e senti
Sinto e não desminto que muitas vezes fugi
Á dura realidade que me persegue
E á qual estarei sempre entregue.

Dores e mágoas que tento descrever
Nas palavras que agora estou a escrever
Sinto que não consigo, sozinho comigo,
Mergulhado na solidão que me educou
E fez de mim um alguém que não sou
Ou sou mesmo e não quero acreditar na realidade
E na infelicidade que é a podridão de uma alma,
Uma alma sem emoção que não aceita ajuda
Que por mais que seja dura, grita,
Grita invocando dos céus aquilo em que acredita
Luta contra os demónios que me atormentam o sono
E escuta a melodia do meu próprio abandono,
O despejo e o repúdio que sinto por mim,
A vontade de que tudo isto chegue ao fim
E eu seja livre, talvez já não em vida
Mas finalmente livre, realmente livre,
Do peso da maldade que me persegue e corrói
E a minha existência me mói
Que desfigura uma felicidade em mentira
E a alegria de ser verdadeiro me tira…

Como me cansa escrever,
É como se uma laranja fosse e me tivessem a espremer
E ficasse seca, sem mais nada para dar
Sem retorno ou voltar
Esgotado é como me sinto…

Escrevo porque escrevo e não sei porque o faço
Sou só um horizonte olhado por um vidro baço
Sou uma paisagem desértica
Sou como uma ave frenética à procura de espaço
Numa sociedade vulgar e desentendida.
Sou a árvore sem tronco,
Sou uma flor sem vida!

Oh meu Deus, perdoa-me por ser quem sou
Um ser a quem a alma o diabo levou
E agora? Que faço eu com este monte de carne
Mero invólucro sem valor… sem amor,
Pois tudo o que me fazia pouco, agora me vale de nada
Me vale tanto como na escuridão, uma vela apagada.
Assim sou eu… um vulto ofusco na noite
Uma sombra, pela luz do sol, morta
Uma escuridão que nem a lua conforta
Uma rua sem saída, uma casa destruída,
O escombro do desassossego…

Mas porquê falar de mim?
De assim falar estou eu cansado
Cansado de todo este enfado desnorteado
Desorientado como as minhas palavras,
Que por mais macabras que possam ser para mim mesmo,
Não me denunciam, pois em tudo que escrevo e escreverei
Irei mentir, e nunca mostrarei quem sou,
Talvez os códigos do que escrevo confessem
Os pecados, que o meu pano tecem,
Porque nem sempre me obedecem.

E o sonho, ai o sonho onde ele vai,
Será preciso morrer para reconhecido se ser?
Não sei, apenas experiências e vivências
Que os meus olhos captam involuntariamente
E que fingem temporariamente não existirem.
Oh, por mais que a vontade me tirem,
De me querer adivinhar num leque de bons
E me escureçam os tons do céu
Saberei sempre que ele é azul
Acreditarei sempre que um dia será meu...

Poeta

.
Ai, o que é ser poeta, não me questionem
Conjugo apenas palavras que, espero, funcionem
Quem sou eu para dizer que o sou
Um ninguém que por escrever, não mudou;

Um ninguém que sempre fui e continuo a ser,
Bocado de nada que não sabe o que é escrever
Espero eu não envergonhar quem me é mais alto
Este dom aos céus eu peço e também exalto;

Tão tenro e verde é este vazio, que sou eu
Preciso de subir aos ombros de quem vê o sol
De quem da terra já partiu e tocou no céu,

Falta-me deixar de ser o pequeno rebento
Da planta que nem da terra ainda brotou
Da planta que fazer crescer eu bem tento.

Lavadeira

.
Tu mulher, pobre lavadeira
Que lavas nessa água essa roupa
Suja pelas crias na brincadeira
Suja pelo homem que não poupa
E se destrói na bebedeira!

Sinto agora como é dura
E difícil essa tua vida
Parece que o bem não te procura
Ou até que dele andas fugida,
Pobre mulher, como és pura!

E esse esforço que parece em vão
Essa roupa que estás a lavar
Se romperá outra vez no chão
E voltar-se-á novamente a sujar
Sem ter por ti qualquer gratidão!

Sentes-te uma mulher sem valor
Que acarreta uma família
Sem qualquer carinho ou amor;
Como se fosses uma Tília
Na primavera sem flor!

E as marcas vão aparecendo
No teu rosto envelhecido
Marcas que vêm sendo
De um parceiro mal escolhido.
(A minha mão a ti te estendo!)

Sentado estou a olhar-te
E contigo irei permanecer
Ver as lágrimas molhar-te
E na tua cara correr
Raios de luz a enxugar-te!

Sabes que assim irás morrer
Sendo uma mísera lavadeira;
E eu mais não posso fazer
Do que estar á tua beira
Ver-te somente… sofrer!

Deus

.
Oh Deus o que és realmente
Um como eu na terra
Ou mesmo a imagem pertinente
Que não consigo perceber por mais que tente?
Não sei se és o mesmo para todos nós
Ou se um diferente em cada coração
Não percebo, desisto e em vão
Por mais que me doa a razão
Tenho que acreditar no que és para mim
Na maneira como te vejo
Uma presença que me provoca um fernesim
Um conforto, um aconchego, um desejo!

Oh Deus que não és mais que eu próprio
És o outro nome da confiança
És em nós a nossa esperança,
A lenda inventada por um alguém
Para nos fazer acreditar que existe luz
Quando mergulhados estamos na escuridão
E que por mais pesada que seja a cruz
Não faremos cama o nosso chão.
E rezamos, oramos à tua ajuda
Invocamos esse poder que nos muda
E nos torna fortes porque acreditamos
Que não nos deixarás sós.
O que é Deus afinal?
No fundo, somos todos nós!

Fiéis

.
Tocam-se os sinos da solitária igreja
Chamando os crentes pela sua fé
E mesmo tendo que vir de longe a pé
Vêm até por mais chuva que esteja,
Louvar a sua crença!

Fazem-no já quase por obrigação
Como que para o céu pensassem ir
E da sujidade da vida em paz fugir
Almas que não sabem para onde vão,
Nem no fundo, onde estão!

Criaturas enganadas pela falsa imagem
Dessa grandiosa e vil obra obscura
Que por detrás de uma suposta cura
Vive o mal de uma longa chantagem,
Desapercebidamente aceite!

E a difamação a injúria e o sarcasmo
Apoderam o olhar do crente silencioso
Afogado no próprio íntimo rancoroso
Para qual o mal é mero entusiasmo,
Passatempo e orgulho!

Á saída, no final d’aclamada eucaristia,
Depois de lavados os pecados semanais
E bem apreciadas as vestes dos demais
Á cova do pejúrio e da reles alma fria,
Voltam os fiéis!

Banal

.
O que é para mim
Um natal assim?
É uma festa sem começo
Sem meio nem fim
Uma alegria sem sentido
E um coração partido
Por não ter hoje mais
Os seus dois pais;

A alegria dos presentes
A tristeza dos ausentes
Por não poderem estar
Com os seus parentes,
Passa assim um natal
Como nunca houve igual;
(Uma família desligada,
Uma fogueira apagada)

Como tudo é em vão
Quando é feito sem coração
Como tudo é banal
Quando se faz sem emoção
Os bolos sobre a mesa
Recheados de tristeza
É mesmo realidade
Esta difícil saudade;

Oh que triste data
Por estes dias pacata
Acordas-me este ódio
Que por dentro me mata,
É apenas mais um dia
Sem um fio de alegria
Já não é mais o que era
O sentido que eu lhe dera;

Talvez um dia seja
O que o meu ser deseja
E que toda a família
Á volta da mesa esteja
Reunidos e em paz
Como há uns anos atrás
Voltando tudo a ser
Como estou a escrever;

Oh natal que partiste
Minh’alma agora insiste
Que voltes á casa
De quem tu desististe
Bate em meu coração
Que eu dar-te-ei a mão
Devolve a alvorada
Aos dias de consoada!

sábado, 25 de dezembro de 2010

Neve

.
Neva agora na esquecida aldeia
Entre as montanhas e no vale que a acolhe
Esperando que a paz também a molhe
E que de alegria fique então cheia
Por ver os flocos cair
E as crianças a sorrir;

Neva hoje como nunca antes nevara
Cobrindo os verdes campos de cultivo,
Fazem do branco um motivo festivo
Deliciam-se da neve que nunca mais para,
E assim se vai passando
Um lindo dia, só nevando;

Vão surgindo ás portas das casas
Frutos de uma imaginação de novidade
Em que, independentemente da sua idade,
Todas as ideias engraçadas ganham asas
E enquanto a história se escreve
Nascem os tais bonecos de neve;

Neva na aldeia, parece a primeira vez
Assenta o manto sobre as altas colinas
Como que vestindo de paz essas meninas
Paz que cobre o chão, do céu que a fez
E as pequenas habitações
Derretendo corações;

Mas o sol aparece na manhã seguinte
Penetrando como facas nos sólidos flocos
Que endurecidos pela noite, parecem blocos
Armados numa muralha de um pedinte
Nada pode agora evitar
O seu próprio descongelar;

Vão se descobrindo as terras novamente
Volta assim tudo a ser como sempre é,
E quase sem que ninguém por isto dê fé
Pingam das árvores o que era anteriormente
Um acontecer inacabável
De um sonho impensável.

Simetria

.
Por longínquos lugares onde a terra se gela
Onde caminha o preso na sua pequena cela
Arrastando o peso dos seus erros cometidos
E sendo o fardo que carrega nesta terra bela
Bela pela simples cor
Que fundindo-se comigo
Só me significa dor

A alma me endurece,
Este gelo que engrandece,
O desprezo por ser frio
Ou a força de não sentir
-Características que repudío;

O que é, á dor ser indiferente
Ou o amor não se mostrar
Nesta alma que não sente?
Fica assim, esperando o fim
Esta pequena parte de mim

Reflexo que me és simetria
Eu sou tu e não apenas eu
Nessa superfície fria,
Não sou muito mais que um objecto endurecido
Vagueando por caminhos, procurando encontrar
No meio de tanto nada um pouco de sentido
E deixar, finalmente, de nesta vida estar perdido.

Família

.
Família, o maior bem que poderíamos ter
Alguém próximo com quem contar e sofrer
Alguém para nos apoiar e também convencer
Das vezes que por maus caminhos enveredamos
Sem que disso nós sequer nos apercebamos;
Família, um diversificado leque de caras iguais
Apesar das mesmas origens, vivem dispersados
Mas mesmo assim, em momentos especiais
Todos se reúnem como nunca antes separados
E a união fortalecida pelo próprio envelhecer
O envelhecer das caras e dos tempos
Hoje é notável quando reunidos a reviver;

Mas nem todas as famílias são iguais
Nem todas são unidas como o deveriam ser
E como tal desmoronam sem que jamais
Voltem novamente a um diamante perfeito
Tornando-se num negro carvão desfeito
Parentes desencontrados ou entes zangados
Assim morrem famílias antigamente ligadas
Assim caem muralhas outrora sido levantadas
Este é o lado negro de uma suposta felicidade
São as traseiras de um imenso castelo
Cuja sombra não é mais que mera sujidade
E o seu interior não é minimamente belo.

Elo

.
Permutam palavras no meu inconsciente
Tristes signos de um pobre ser demente
Procuram construir uma frase que diga
Tudo o que agora sinto e me intriga
Mas não sei, não entendo e não consigo
Fazer-te entender tudo o que te digo
Ou pelo menos ser capaz de te mostrar
O que me vai na alma por hoje te amar;

Bloqueiam-se as vozes do meu coração
E o silencio se apodera desta minha canção
Ensopando o meu sentir de arrependimento
Por ter desperdiçado esse tal momento,
Não posso mais ignorar este pensamento
Não podes mais ignorar este sentimento
Pois sei bem o que sinto e não é mentira
Sei o pedaço de mim que por ti partira;

E agora que nossos corpos se aproximam
Corre-me a ânsia, vontades que desanimam
Por os teus lábios os meus não poderem beijar
Por nem sequer na cara te dever tocar
Porque não devo, não devo por não seres minha
E pelo ser que hoje ao teu lado caminha
Não ter a culpa de um inocente amor paralelo
Impedindo assim entre nós, o desejado elo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

História

.
Pisavam os pés o solto asfalto
Quando encontrei despejado na pedra
Um já velho molho de vida
Olhando o delírio da água em corrida
Num insólito riacho que ali jazia
Sendo um leve ruído
A única coisa que fazia

-Que faz homem, você aqui
Quase indiscernível da pedra
Sem ar de querer saber de si?
-Rogo e afogo mágoas, jovem
No fraco leito deste ribeiro
Desfocado pelo nevoeiro.

-Porquê mágoas meu senhor
Porquê nestas águas tenta você,
Livrar-se dessa suposta dor?
-Não sabes tu mas digo-te eu
Que só nós próprios nos curamos
Quando a nós próprios magoamos

-Que fez de mal na sua vida
Para que agora depois da juventude
Fujam-lhe as lágrimas sem partida?
-Não te irei escrever um livro,
É normal nessa tenra ingenuidade
Esse sentimento de curiosidade.

-Um livro não me irá escrever
Mas porque não me conta a razão
Por, na sua alma, estar a chover?
-Não chegam as margens deste rio
Para guiar a minha tempestade
Ou aguentar esta imensa saudade.

-Será então tudo isto nostalgia
Por já não haver hoje mais
O que no seu tempo havia?
-Enquanto vivo, tudo é meu tempo
E depois de velho ainda tento
Que não me leve a luz, este vento.

-Perguntas não lhe faço mais
Pois sei que não me irá responder
Assim como fez com as demais
-Pois a ti te digo, meu jovem
Que a todas as questões respondi
E que a nenhuma delas eu fugi.

Logo depois se levantou o homem
Sem mais nada dizer de sua boca
E desapareceu no nevoeiro cerrado
Como se nunca ali tivesse estado
Mas ali esteve ele, que eu sei
E num simples piscar
Do sonho acordei…

Vaidade

.
Os luxos imergem pelas caras
A estalar de alegria e desprezo
Não sabendo elas a agonia
Que é na pobreza estar preso;

O sapatear dos saltos entoa
No corredor do silêncio inócuo
Onde os olhares do meu tremor
Sabem perfeitamente o que foco;

Por mais que ignore a realidade
Não escondem as pessoas que são
Não escondem sequer o seu nojo
Por quem desgraçado esta no chão;

Não sei se têm culpa ou se é mérito
Do império da sua invejada nobreza
Que apesar do mistério da conquista
Não deixa de ser uma grande proeza;

Mergulhados em ouro até aos cabelos
Nem o mais íntimo escapa ao luxo
Ou o mais ínfimo pormenor estético
Que para a lama eu sem medo puxo;

Sempre de cabeça erguida essa gente
Que nem sente o que é ser diferente
O que é ser a escombreira da sociedade
Que sem essa vaidade assim não mente;

Não repudío a sua tamanha riqueza
Foram bens adquiridos com trabalho
Critico apenas os defeitos usufruídos
Sobre os que numa estrada são cascalho;

Haverá para sempre alguém como vós
Assim como nós alguém tem de haver
Sereis sempre o dia de um feliz sol
Seremos sempre o de um triste chover.

Lágrimas

.
Vem, deita-te comigo nesta verde relva
Olharemos o céu e ouviremos o canto das aves
Esquece ao meu lado que o mundo é uma selva
Faz de conta que o sabor da dor, tu não sabes
E que o tempo que comigo vês á frente passar,
Correndo somo se de alguém estivesse a fugir,
Vives intensamente para mais tarde recordar;

Vem, sente o calor da minha intensa presença
Sente que estou aqui e te olho suavemente
Como se o meu olhar magoasse a tua crença
Em que eu seria sincero, um ser que não mente
Dando-te a tranquilidade serena que te falta
O conforto de uma companhia que te idolatra;
O meu coração agora salta e aos céus exalta

Exalta a imensa alegria que agora inunda
As margens do meu rio com esse teu olhar
O olhar que depois da primeira vez ou segunda
Continua a colar-me a ele e a ele eu amar
Simplesmente porque somente não lhe resisto
Não preciso mais que apenas… estares aqui
E lutarei contra o tempo, pois por ti não desisto

Mas não consigo evitar estas lágrimas interiores
Choro por na realidade tu não estares ao meu lado
Caem lágrimas do meu degelo, intrínsecas dores
Um aperto deste dúctil coração que bate parado
Bate em função da dor pela distância do teu amor
Bate de sofrimento como se estivesse arrancando
Pétala a pétala da minha pequena e frágil flor

Resta-me levantar agora deste meu terreno frio
E sentir realmente a terra sob os meus pés
Tenho consciência de quem sou e por isso alivío;
Recomeçarei uma nova viagem á média-rés
Por vales e montanhas eu caminharei por igual
Na procura de uma impossibilidade mais possível
Na tentativa de encontrar um ser com menos sal.

Viajante

.
Sou um viajante sem rumo
Á deriva num mar de pensamentos
Onde da essência tristeza consumo
Sem saber para quê
Pois vivo sem porquê

Viajo numa nau perdida
Guiada pelo vento da bondade
Ela é a minha própria vida
Que sem velas
Depende delas

Que quero eu dizer com tudo isto?
Nada mais que a pura verdade
A verdade de que sou mesmo isco
De famintos tubarões
Num turbilhão de emoções

Predadores que ficam á espera
Do mais pequeno e meu, erro
Conseguir engana-los, quem me dera
Ser capaz de ter
Força p'ra os vencer

Viajo então infinitamente
Pois o universo é imensurável
Facto que ninguém me desmente
Facto que me fatiga
Já não sei o que diga

Não sei dizer o que penso
Nem sequer o que agora escrevo
Restrinjo-me ao comum do senso
E passo a ser o pobre
Que o saber não cobre

Oh vento que fazes a minha viagem
E traças a linha do meu horizonte
Não faças do meu cansaço paragem;
Do mar a terra
Ou da planície serra

Enche as minhas asas de tua energia
E move o que de parado está farto
Aquece a minha água que é fria
E eleva aos céus
Sonhos que são meus

Viagem que nem a meio vais
Sinto já o fim tão próximo
Sinto até que não vou mais
Ser capaz de navegar
Neste turbilhento mar.

Caderno

.
Aqui enxaguo pela tinta as minhas frases
Versos que conjugam diferentes fases
De um lírico pensar que me atordoa
E que tenho que aceitar por mais que doa
Penso e repenso cada palavra escrita
Exausto termino como que sugado fosse
Pela palavra que pelo céu não me é dita

Porque sei e em ti o escrevo meu caderno
Toda esta angústia que a alma me mói
De saber que este saber não é eterno;
Tento eu, exaustivamente, isso valorizar
Se não for mais, o que agora em ti escrevo
Se não for menos, pelo menos continuar

Desabafo nestas linhas o que de mim não sai
Elas são a chave d’uma fechadura perdida
São as guias de um contínuo tracejado
Que denunciam o meu próprio legado
Por mim lembrado numa voz esquecida

És o cofre onde guardo o meu integro vazio
És o poço onde se afoga a minha razão
Que sem sequer saber se quer, ter ou não
Morre, mesmo se eu tiver quem a quiser

Não consigo ser capaz de conseguir ser
Tudo o que o ilusório imaginário me dá
Tudo o que ao longe mantem o temer

É frustrante até escrever a dor que sinto
É doloroso saber que a mim mesmo minto

Sei então que me afundo no meu mundo!

Enigma

.
Leio o livro de uma vida
Urge o tempo e não encontro saída
Tento desvendar o significado
Arrancar as grades ao enjaulado

Caminhando ao longo das frases
A atenção redobra-se a cada espaço
Mesmo acreditando ser-se capaz
Inicia-se uma viagem passo a passo
Na procura do segredo escondido
Herdado a um começo desvanecido
Onde três símbolos se enunciam

Estrada, conquista, dura educação
Sabedoria que se adquire com o tempo
Começo que guarda a salvação;
Onde se encontrará a esperada chave
Lembra agora abrir a forte jaula
A quem ainda preso está na cave.

(Descobre os símbolos)

Conta-me

.
Conta-me mãe os meus segredos de criança
Conta-me o que fazia quando nem o mundo via
E apenas o conhecia quando caía sem esperança
De me levantar sem dor ou sem sangue
Esperando o ardor passar com o ténue sopro
E o rasgar das calças a mãe não zangue;

Conta-me mãe as asneiras que eu fazia
Os momentos de azia que me faziam chorar
E as horas que eu passava no sozinho dia
A tentar brincar acompanhado de mim só
Fazendo da sujidade o meu refugiado estar
Em que só o mexer da terra já era brincar;

Lembra-me mãe as memórias que perdi
Recorda-me a infância que até eu já esqueci
Triste culpa da minha frágil ingenuidade
Que vergonhas e maus passares me fêz viver
Rindo-se na minha cara da própria infelicidade
De uma criança que é obrigada a crescer;

Leva-me mãe ao passado por mim guardado
Na profunda gaveta do meu esquecimento
Nos confins da obscuridade plena e serena
Das águas calmas, minha integridade suprema
Que não perturbada guarda os meus segredos
Acontecimentos passados, ultrapassados medos;

Conta-me mãe a pobreza em que vivia
Conta-me o que sofria por não poder ter
O que nos outros via e eu também queria ser
Feliz como eles, crianças que nunca lutaram
Cheios como eles, os outros que ganharam
Se calhar sei tudo isto, mas mãe… conta-me!

Ruas

.
Entrelaçam a cidade como linhas
Prendem-na e sujeitam-na a elas
Tal como se fossem as minhas
Mágoas que deixaram sequelas

Ruas e ruelas, nesta noite passeio,
Como sois belas e assustadoras,
De histórias o cântaro está cheio
Cheio de memórias encantadoras

Procuro em vós a minha salvação
E um sentido para os meus passos
Passos que não têm orientação

Caminho eu agora sob cheias luas
E não sei onde anda minha alma
Nem sei se serão realmente ruas.

Ficção

.
Funde-se o imaginário nas minhas fortalezas
Consome a alma este fogo que me queima
Deixa-me nuamente imune ás fraquezas
E consinto com o mal que comigo ateima
Não sei quem sou quando olho o reflexo
E fico perplexo,
Como tudo mudou e hoje aprecio de fora
Uma verdade de outrora;

Será minha falsidade ou mesmo maldade
Que interrompe e desfoca a minha luz?
Será tudo isto uma simples e mera verdade
Que por obscuros e maus trilhos me conduz?
Gostava eu tanto de poder ser legítimo,
Ao meu ritmo,
De ser carne sã e não a carne amarga
Que é hoje minha carga;

Pobre ser que apodrece na própria mentira
E digerido pelos larvantes perfuradores olhares
Olhares que me furam como a larva que retira
De dentro de uma maçã conjuntos moleculares
Fica assim, recostado, o oco que me resta
E não atesta,
Não volta a encher o que por mal foi roubado
E de mim foi levado.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Doença

.
Oh dor que da minha carne é feita,
Todas as noites na minha cama se deita.
Porque escolhe tão energúmeno ser desaparentado
Para que seja assolado por sua escrava tempestade
Que devora corrompendo as asas ao amaldiçoado!

Sou eu sim a quem a dor escolheu,
Para me dar na terra, a vontade do céu.
Nada mais que uma escolha arbitrariamente falsa,
Executada por um destino moribundo e sem rumo
Onde o fumo do horizonte, sapatos de espinhos calça.

Ai como agoniar me faz esta doença
Quem me dera não lhe sentir a presença;
Quem me dera ser um barco no mar alto á deriva
Flutuando nas águas límpidas e tépidas do conforto,
Desprendido da âncora maliciosa, pesada e negativa.

Tomara a mim a dor não me conhecer
A dor da doença que hoje me faz sofrer.
O próprio pensamento de pobreza do meu potencial,
Realidade esta que me arranha a alma ao tentar digerir
E que me obriga e impõe uma vergonha existencial.

Noção tenho, que não estou no fundo
Do poço imundo que é este submundo;
Onde a lama me prende os passos que já não mais dou
E a voz me absorve, do grito mudo que vazio se escapa,
No oco do poço onde a minha pobre alma ali se criou.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

25

.
Celebrado já perto do fim
Ainda assim, se vai a tempo
Oferecem os três seus presentes
À luz nascida do ventre virgem
Em que os pecados são ausentes

Símbolo é de pura alegria
Mascote sua feita de neve
Resume-se tudo a só um dia
Que faz sonhar qualquer criança
Nunca perdendo sua esperança

Época de tanta importância
Época de tanto alarido
Que ao louvar o recém nascido
Se comprova a ganância
Pelo pobre objecto oferecido

Vêm os afastados parentes
Que num ano nunca aparecem
E agora na pequena mesa,
Histórias que não se esquecem.
Até os pobres são nobreza.

Se sabes tu a que me refiro
Diz a palavra que aqui falta
E se achares que está mal,
O tema que o poema exalta,
Não temas, é quase igual!

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Raíz

.
Da raiz cresce a árvore bela
E da terra faz o seu alimento
Propria terra teu lar e tua cela
Onde nasce o livre sentimento
De não seres só, mas parte dela,
Vale de nada o arrependimento
Vives e porque vives és feliz
Vives para sempre ligada á raiz;

Nos quentes sóis, murcham folhas
Da mártir sede e da reles secura
E os ramos que foram tuas escolhas
Caem secos sobre a pedra dura
Espero que disso, lições recolhas
Que é essa a pedra que te segura
Oh água, que da terra não vens
Da-lhe tu, céu, que eu sei que tens!

Solo estéril, vil e abandonado
Onde aqui cresce a planta invisível
Como um barco mal ancorado
Na praia de um mar impossivel
Nascendo dali um fim inacabado
De uma frase morta e inlegível
Cresce planta em busca da luz
Cresce em busca do que te seduz!

Árvore que me és, infelizmente
Sinto a seiva que por ti acima sobe
Sei porque é que o céu te mente
Sei porque é que nunca te chove
E num mero instante, num repente
Também pára o vento que te move
Resta-te sómente esperar a morte
Na sombra onde não se sente sorte.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Precipício

.
A cada passo, teus pés ficando fragéis
O chão fica oco e susceptível a ti
Tu mesmo, porque és tu quem caminhas
Tu mesmo arriscas porque não adivinhas
Não conheces o que opaco é aos teus olhos
E tudo resume-se a uma simples procura
Que por mais pura que seja não esta a altura
De encontrar a cura, porque está escura
Está escura de mais esta noite, para se ver
Não há sequer luar para te poder ajudar
Ou uma mão que te apoie nesta solidão
Onde as pedras sob ti se soltam pelo peso
Que é aguentar um sonho de uma vida
O peso que é uma possível desilusão
Ou o romper de alguém que já mal lida
Com as constantes quedas nesta corrida
O próximo passo pode ser em vão, sem chão
O precipício que te espera já desde o inicio
Se calhar já destinado estavas a cair
Para que percebesses que lutar sozinho
É viajar sem a noção de um caminho
É agarrar-nos a nós próprios sem força
Não és nada por mais que por ti torça
Quem te quer o bem sem fazer por ele
És somente o vácuo do teu próprio sonhar
À espera de um novo sonho para por ele lutar!

Sono

.
Olho a minha alma aos poucos adormecer
Caindo no colo de um ser que me acolhe
Sinto a febre gradualmente a aparecer
Pela incapacidade de ver por mais que olhe
Ver a realidade a encharcar-me
Ver o sonho abandonar-me!

Sono soberbo que sabe o que sou sem ele
Faz falsamente calar quem não o quer fazer
Faz adormecer própria parte que é dele
Absorvendo o brilho sem o conhecer
Primeiro adormece a alma,
Depois o corpo, com calma!

Assim finda o dia que o sol hoje nos deu
Nascendo o assassino nocturno que mata
A visão do mundo e os passos no céu
O olhar moribundo de uma réstia pacata
Restos de uma fogueira
Não mais agora, que poeira!

Aprecio dolorosamente do meu canto
A inconsciência apoderar-se de vós
Tornar pedra o vosso doce encanto
Embaraçar a vossa linha em vários nós
Trocando-vos as voltas
Dessa linha de pontas soltas!

Sinto

.
Sinto por vezes que não sinto
Sinto que não sinto o que é bom
O que me deixa a embalar no tom
Da harmoniosa e quente melodia
Que sem eu me aperceber de tal
Da-me o lindo sol do dia
E a lua da noite por igual;

Sinto por vezes que não sinto
Que engano quem me rodeia
Que o mal faz de mim a ceia
De lamurias e de desassossegos,
Putrefacta dor que me envolve
Em amarrações e despregos
Dor que o repúdio não resolve;

Sinto por vezes que não sinto
Que não sou digno de ser feliz,
Não tenho hoje o que ontem quis
Não tenho o que sempre sonhei
Nem tão pouco sou alguém
Penso agora que nunca reparei
Que era menos que um ninguém;

Sinto por vezes que não sinto
Que minto na imagem que dou
E mostro ser quem eu não sou
Dói-me mais que tudo, ser assim
Odeio mentir sem me aperceber
Odeio isto não poder ter um fim,
O meu espelho não me conhecer!

Sinto por vezes que não sinto
Sentimentos puros de alegria
De tranquilidade e harmonia
Fluxo do sensível que bloqueia
Olhares calorosos que finto
E até a voz da verdade, alheia
Sinto por vezes que não a sinto!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Anjo

.
Vê de longe o que eu faço
Sente e é parte de mim
Sente a pureza que a ele dou
Dando aos poucos cada passo
Pobre anjo que me adoptou.

Da-me a mão e hoje guia
Sendo a luz do meu caminho
Luz que sem ti apenas sou
Pedaço de uma noite fria
Pobre anjo que me adoptou!

Oh! Que seria de mim sem ti
Logo eu que nem andar sei
E a porta que abre já fechou
Que faço eu ainda aqui
Pobre anjo que me adoptou?

Longínquas nuvens, tuas casas
Mas como será viver aí,
Ideias a minha alma sonhou
De um dia voar nas tuas asas
Pobre anjo que me adoptou.

Saberás tu todo meu sofrimento
Senti-lo-ás vivo certamente,
Mostro-te quem mendigou
Nas praias do arrependimento
Pobre anjo que me adoptou!

Porque adoptas-te tamanha dor
Feito esse, sem necessidade
Acende a chama que se apagou
Do frio de viver sem amor
Pobre anjo que me adoptou!

domingo, 21 de novembro de 2010

Pobre

.
Pobre criança que a inocência molha
Cavas a terra sem bem saber porquê
Cavas em busca da tua mesma sobrevivência
O solo que pisas ferozmente
E sentes sentidamente o sabor demente de se ser
Corpo feito máquina que trabalha para aquecer
Pobre criança que a inocência molha
Fazem-te maior que aquilo que sonhas
Sonhas porque a realidade é mesmo verdade
E a vida que levas sabe Deus
A vontade que elevas rezando aos céus
De fugir do mundo em que caíste sem escolha
Como cai no chão a verde folha

Trabalhas com a tua boca desconhecendo o sabor
Do que é o pão da tua subsistência
Do que é sentar á mesa de uma refeição
E escolher por tua mão o amargo alimento
Que agora cavas dolorosamente e com consciência
De que ele nunca poderás provar nem apreciar
Pobre criança que come do seu próprio descontentamento

Oh mãe que a pariste para que fosse escravo
Teu mesmo escravo e obediente servo
Tua cria que nunca fora quente senão fria
Sentindo apenas o calor do estalar do sol
Nas suas costas vergadas de trabalho e de dor
E no seu corpo que não sabe o que é carinho
Que não sabe o que é conforto nem sequer amor
Sabe apenas o que é fome e desassossego
Que sente nas noites ao relento imersas em desalento
Nas madrugadas sem luar, nos dias sem luz
Pobre criança que a inocência molha
Pobre infância roubada por quem te quis ter
A sofrer neste mundo a ser um ser imundo.

We

.
Now we are sitting
Immersed in this landscape
Where the rocks hold my body
And my eyes your blue ribbon
Remember now of this season
The reason for everything that I lived

I feel cold on your side
I don’t understand this tide
The ocean never more wet my feet
The birds stopped of sing
I let now the past sit
In your memories of me
Leave on the rock, your ring
You are free to fly in your sky
Fly in search the happiness
Fly away little princess
I am the page turned of your book
I am a small part of your heart

The day dies and the moon shines
Without you I am my own night
I am a page without lines
I am the sun without light
I lived with you my faire tale,
Reads now in my heart… for sale.

sábado, 20 de novembro de 2010

Escuridão

.
Opaca luz que me confunde
Mergulhado nela fico ela
À espera me deixo que não inunde
Sonhos meus com sua escuridão
Nem sei se sonhos ou só ilusão
Que me iludem a sonhar bem alto
Para doer mais a queda no chão
Para doer como se não sentisse
O que era sofrer por ver morrer
A voz que eu queria que se ouvisse

Serei eu aquilo que repudío?
Serei eu negra noite que me cega?
Sei que sou obscuro e até frio
Mas não é por isso que o sonho me nega
Ou que se escapa por entre os dedos
Quando apenas fujo aos meus medos
Não é crime aquilo que faço
É talvez sim aquilo que sou
Noite que possui o meu interior
Noite que em mim tudo mudou.

Engenho

.
Linhas sem fim, por onde caminhas
Por vales, planícies e montanhas
Tuas viagens guiadamente sozinhas
Apreciando ao rio as suas margens
Paras quando mandam as paragens

Porque não sou eu tuas engrenagens
O teu engenho com as tuas capacidades
Porque vivo em constantes derrapagens
E não atravesso tamanhas cidades
Como tu o fazes com tantas facilidades

E corres e paras e atravessas
Obstáculos naturais que se apresentam
E tu os pecados a eles confessas
Como quando do bem se ausentam
Arrependidos seres que o mal tentam

Vida facil e tranquila tu levas
Guiado por outros fazes tua vida
A inveja a mim no alto elevas
Por escolhas não fazeres nessa corrida
Pelos vários caminhos sem saída.

domingo, 14 de novembro de 2010

Mar

.
O que é sentir uma luta em vão?
O que é sentir tudo contra nós
Sentir que lutamos contra uma multidão
E olhando à nossa volta, estamos sós

Velejando no meio de uma tempestade
O vento empurrando-nos para trás
E a chuva roubando-nos a felicidade,
Inundados ficamos de histórias más

Afundamos nas nossas prórias ilusões
Mergulhando no desgosto e na tristeza
O tempo evapora e leva-nos a beleza
A beleza de utilizar os nossos corações
Para sonhar e com eles poder voar
Junto dos céus e longe deste mar

Mar este que nos rouba a vontade
E a esperança de um dia conseguir
Todas as nossas metas atingir,
Mar este que nos rouba a tranquilidade
E nos faz afundar nas suas águas
Repletos de dor, repletos de máguas.

Máscara

.
Sou o reflexo distorcido
De um espelho transparente
Sou o puro sentimento
De uma alma que não sente

Mostro um ser desconhecido
A quem me vê fugazmente
Sinto ser o desalento
De uma imagem decadente

Eu mesmo me desconheço
Face oculta que me encobre
No entanto sinto o peso
De um nobre não ser nobre
E de um chão não coeso
Dura assim parte de mim
Longa dor que não tem fim

domingo, 7 de novembro de 2010

Barro

.
Restam agora no mar dos meus pensamentos
Fluxos e repuxos de memórias que me fluem
Recordações, palavras ou mesmo sentimentos
Que na minha carne se escrevem
E que em mim se descrevem

Sou o que essas lembranças constróiem
Porque elas desenham o meu caminho
Sou o que elas em mim não corróiem
Restando apenas pedaços do que fui
Á tona do lago que me dilui

Cada vivência, cada passo e acontecimento
Trouxe-me até onde agora me apresento
Moldou-me em função de cada momento
E hoje apreciando minha paisagem
Confesso que sou mera passagem

Sinto e sei que sou o barro do tempo e da terra
Terra onde vivo que é o chão do meu andar
Desvia-me de onde a vida se encerra,
Tempo e terra que me têm
Em ti e sobre ti, eu estou bem.

sábado, 6 de novembro de 2010

Sombra

.
Sombra que me percegues ao longo da vida
Tu que vais crescendo ao longo do dia
O sol se põe e a velhice aparece fingida
Como quem não se quer rir mais, como se ria
Sombra que és o passado que me é parte
Não te quero sendo medo que me percegue
Quero sim que faças de mim tua arte

Cada passo que pisa a terra que sigo
É teu obdiente acompanhante e seguidor
E cada memória que de mim revivo contigo
Tu és ela, parte do meu eu sem amor
Parte porque um todo é dificil de se ser
Porque a vida não é tão má como se vê
E só o é quando se desconhece o seu ver

Sombra, de ti ninguem se livra quando há sol
E quando não há só tu imperas este mundo
Nem mesmo teu efeito acaba chegando a cruz
Fazes questão de recordar tal passado imundo.
Para alguns és tudo enquanto o sol brilha
Seres que sem ti não eram mais que ninguéns
Os outros, coitados, contentam-se com sua partilha.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

diFama

.
À saída da missa reúnem-se as viuvas
E num leque da sua má lingua disfrutam
Do prazer da trituração informal.
Não vivem a sua vida e a dos outros escutam
Pejurosos dilemas, entre si permutam
Como que achando ser nada de mal

De gente em gente salta a história,
Murmuro ingénuo e malicioso
Que a trepassa de setas de maldade.
Seu pensar infimamente rancoroso
Nega até ao homem mais poderoso
O poder da conquistada superioridade

Vivem assim as velhas do vexame
Vivem do sangue das suas facadas
Alimentando-se da alma dos outréns.
Queimam nas suas fogueiras louvadas
A imagem de quem as queria apagadas
Coitados dos queimados e dos reféns

Reféns das escrituras familiares
As recentes crias assim têm de escrever
Ou serem apenas escritas na sua matéria.
O testamento dos antepassados reviver
Sem culpa, infelizmente, isolam-se a prever
O destino herdado da sua própria miséria

Rótulos imediatos adquiridos à nascença
Fazem da nascente a já secada fonte
Ou fonte brava que sozinha foi parida
No longínquo amargo e espinhoso monte,
Rezam pais para que ao filho ninguém conte
A sua própria imagem por eles escondida

Malvada viuvêz que desenterras memórias
E descobres aos outros falsas lendas
Cravas mordazmente na carne dos inocentes
E abres no seu chão imaculadas fendas
Esburacado caminho a eles tu arrendas
E nem arrependimento por isso tu sentes

Pior que quem sozinho vive e o faz
É quem tem família e não se incomoda
Em degradar a fortuna dos que conhece
Fazendo de um ciclo destes uma roda
Fazendo bravia a vide sem sua poda
Na pequena aldeia onde tudo acontece.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Nevoeiro

.
Neblina, que me ofusca, matinal
Que encobre os raios do amanhecer
E me nega o calor do sol nascer
Humedece o meu corpo desigual
Desconfortando a alma alojada
E apagando a chama apagada

Nevoeiro que escureces a visão
Deturpas a realidade de tal maneira
Que chego a pensar estar à beira
E nem longe ainda estar da sensação
Em tocar e agarrar o meu objectivo
Que afastado de mim vive inactivo

Papel da noite imperando no dia
Fiel amigo este e conselheiro dela
Que dá aos sentidos a má sequela
Impedindo-os de o serem em demasia
Restringem-se a sê-lo apenas em nome,
Reles turvês que os passos come

No bosque da vida as trevas reinam
Com a inegável ajuda de seu criado
Impustor diurno e transfigurado
Onde as crias maldade nele treinam
Filhas obdientemente cegas a seu pai
Mal que depois de entrar, já não sai

Dificuldades e obstáculos não faltam
No íngreme caminho neste bosque
Em que por mais que a trave se enrosque
Não impedirá a luta que hoje exaltam
Meus seres pelo seu digno percurso
Como um rio, livre no seu curso.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Elogio

.
Vontade irreconhecível
Aos olhos dos desatentos
Uma força imprescindível
A quem não segue os lentos

Por mais que custe perceber
Esta é a pura realidade
Todo o ser que se faz ver
Quer provar sua qualidade

Simples gesto ou acto
Doutrem terá de vir
Seja hipótese ou facto
Será o elogio a dicidir

Límpida fonte de felicidade
Próprio orgulho que é seu
Mais que mesmo a verdade
É estar liberta de um véu

Louvado seja quem elogia
Sem qualquer obrigação
Que tenham o sol do dia
Pelo seu bom coração.

Outono

.
Outono, como lúgubre acentas
E como tristemente apareces
Para rasgar o verde e a luz
O verde das paisagens que agora apodreces
A luz que agora fraca dá-te vida
Dá-te a verdadeira razão de seres assim
Que logo nascendo faleces por fim

Outono que fazes mudar e adormecer
As plantas que a ti obdecem
Terei eu o mesmo que elas fazer
Só porque és dono de nome
De alguém a quem os sorrisos esquecem?

Símbolo de desprezo és
Para quem não quer ser outro
Para quem consigo mesmo
Vive por si e não a teus pés
E vivem sem depender dessa mudança
Que obrigas a viver mesmo sem esperânça
Teus discipulos e obdientes seguidores
Leitores da tua biblia, pobres sem herança
Herança essa que não chega
Se por ela não fizerem nada
Herança que advém de vós
Se aí estiver enraizada
Mas se em vós não brota da nascente
A água própria que vos muda
Então sereis servis mediúcres do outono
Sem alma fertil que vos acuda

Força exterior maior que a de dentro
Uma realidade – é verdade
Mas a vós que vos deixais levar
Pela morte que vos nega o próprio andar
Deixai que vos diga minha interna fadiga
Por tentar perceber tal fracaço
Que leva a árvore a caír no espaço
Onde sómente apodrecerá sozinha.
Triste outono que em vós caminha!

domingo, 17 de outubro de 2010

Trabalhador

.
Homem endurecido pelo estalar do sol
Com mãos calejadas e gretadas
Que te tornam duro de coração mole

Habituado já pela própria obrigação
Sentes e sabes que mentes
Quando afirmas ser a tua vocação

Nasce o dia e já esperas pelo fim,
Voltar ao conforto do lar
E por uns dias poder ficar assim

Sentado na soleira á espera da hora
Segurando o pão na fraca mão
Aguardas o momento do ir embora

Momentos de olhares cruelmente vagos
Calados e quase apagados
Lembram-se de esforços mal pagos

Homem a quem a vida não iluminou
E que os passos foram escassos
Na corrente do tempo quase estagnou

Vive apenas porque tem de sobreviver
Para guardar e alimentar
A familia que prometeu proteger.

Inocência

.
Inocente virtude brincando na estrada
Onde o mal que aí vive passa ao lado
Da ineficaz aprendizagem captada
Mal apreendida ou somente ignorada
Vive assim a brincar nos espinhos
A humilde criança abandonada

Rua, principal casa sua
Feliz, vive na ingenuidade da idade
A idade que lhe permite errar
Errar e não ser punida pelos maiores
Desejo dos grandes agora mais distante
Perdendo aos poucos o seu amante
Jeito de pequeno que o bem garante
Segura mas nem todo o mal cura
Da culpada alma não mais pura

Olho a jovem alma que me agita
E que me deturpa o reflexo da minha água
Já parada na calma que me irrita
Estranha estagnação adquirida
Ao sabor do vento que leva o tempo
Tento olha-la como uma partida
Para uma viagem ao meu passado
Recuo e não sinto vida
Sinto que foi um começo acabado

Na impossibilidade de a ser novamente
Resta-me a nostalgia somente
Nada volta atrás, vida é entropia
Crescer em vidas más, o mal é que nos cria
Rebento de uma nova flor
Sente o calor do meu amor
Sente o perigo e foge desse mal
Pois para ele, toda a gente é igual.

domingo, 10 de outubro de 2010

Termo

.
Mergulhado na desgraça
Vive o homem que se queimou
No próprio fogo que pegou
Vive agora na fumaça
Pobre homem que se matou

Cobardia, inconformismo
Escolhe assim facil caminho
Fugindo ao seu destino
Foge fazendo o laço
Frágil corda parece aço

Homem que mal tu fizeste
E te julgas agora ninguém
Tu próprio te colocas-te
Virado de costas para o bem

Desgraçado, amaldiçoado
Cometes agora maior erro
Pior que te enterrares
É provocar o teu enterro
Para da dor te efastares

Jazem por fim restos mortais
Baloiçando no desprezo
Da vida livre à morte preso
Desaguando no pobre cais
Lágrimas de actos fatais

Cego pela desilusão
Achava-se traído, esquecido
Alguém que não tinha perdão.
Triste final ele conquistou
Pobre homem que se enforcou.

Sabedoria

.
O que há de mim para se falar
Nada que me é parte ineteressa
Pelo menos a mim me corre a pressa
De me querer descobrir ou apreciar

Podridão que me corrói e se vê
Ou apenas se sente interiormente
Quando o meu poema se lê

Ai como eu queria saber escrever
As palavras que me vêm na alma
Palavras expressas num léxico pobre
Palavras que a minha ignorância encobre

Perdoem-me sabedores da literatura
Leitores prodígio de uma poesia pura

Perdoem-me a despresível incapacidade
Oriunda da minha verde e miúda idade
Talvez não me devesse achar escritor
E deixar-me ficar pelos traços de um leitor

Oro aos céus por uma maior sabedoria
Para que me dêm a luz que o sol não produz
Para que me dêm a paz de um novo dia!

Vento

.
Tu Vento que sopras
Deixa-me, por favor, voar
Deixa-me ser parte de ti
E contigo me libertar
Descansando tudo o que corri

É pesado este comboio que puxo
Sinto-me exausto e desiludido
Talvez porque não aceito
A realidade em que estou inserido
Ou talvez não seja capaz
De atingir a esperada estação
Mas não vou cair na desilusão
E este comboio não voltará para trás

Não volta para trás porque o puxo
E porque ainda tenho forças
Ainda vive o sonho em mim
De que esta viagem terá um bom fim

Oh Vento, não me sopres de frente
Não me devolvas para d’onde vim
Porque de lá quero eu me afastar
Para o meu destino poder alcançar
E se ao meu pedido não respondes
Digo-te apenas que não desisto,
Conheço já o mal que escondes.

Poder

.
Sarcófagos túrgidos de ouro
Trancados com chaves de ganância
Deambulam na própria ignorância
Ignorando conselhos exteriores
Como se conhecessem seus horrores

Gente cega pelo ofuscante brilho
Gente imune à medíocridade
Despojados de qualquer piedade
Julgam-se mais que os demais
E no fundo são todos iguais

Produtores do estrume da sociedade
Eles mesmos são culpados de o ser
Não mais que mísera crueldade
Na excêntrica vida em seu poder

Fazem-no e até com certo prazer
Ou por incapacidade de para baixo ver

Mas os de baixo, bons conhecedores
Têm noção do seu mesmo tamanho
Restringindo-se a guardar seu rebanho
Têm o orgulho a humildade e a boa fé
Que lhes fazem aguentar a esperânça de pé.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Pássaro

.
Oh pássaro como és livre
E mudas de casa sempre que voas
Vês o mundo raramente de baixo
E o teu grito no céu entoas

As asas te dão o que tudo quer
Voar para longe d’onde se está
Voar para onde melhor se estiver

A isso não dás tu importância
Até porque de mais natural não tens
De ramo em ramo tuas paragens
Vais ao céu e do céu vens

Ser vivo dos mais invejados
Pelos que na terra não têm asas
Há quem as tenha e estejam parados
Por pavor de saírem de suas casas
Louvados aqueles que sabem voar
Pelas asas do sonho que estão a sonhar.

Musica

.
Melodias harmoniosas
Ou meras melodias
Entranham-se para se esquecer dias
Em que as horas foram custosas

Batida atrás de batida
Ritmos conjugam tons
E só formando um arco-íris de sons
A musica é capaz de ser Sentida

Ouvir por mero ouvir
É ignorar a composição
É desprezar a própria audição
Que nos permite o som sentir

Infinitos emparelhamentos
De notas e pausas
Todos se ligam por certas causas
Mas nem todos invocam Sentimentos

Sentimentos vivos
Que mexem em nós
Os que estão mortos ou sós
Deambulando em lugares cativos

E os versos construindo
Letras que procuram
Atingir Sentimentos que perduram
Num coração que é bem-vindo

Eleva a outro nível
A alma que transporta
Um poder que se comporta
Como uma força imprescindível

E quando a vibração
Finalmente acaba
Tudo o que noutro mundo estava
Volta a cair de novo no chão

E a ilusão vivida
Não existe mais
E nos finais segundos fatais
Voltamos de novo à vida.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Emergir

.
Lugares novos, mundos diferentes
Pessoas desconhecidas outras esquecidas
Aqui, sou apenas eu e pouco mais
Aqui, somos todos iguais
Iguais mas diferentes felizmente
Mas nada é o que é certamente

Volto a ser criança, onde vivo
Tudo começa de novo outra vez
Ciclo que se repete nesta viagem
Uma viagem em constante paragem
Não volto propriamente ao início
Entro numa nova etapa, evitando o precipício

Porque a cada passo desconheço
O solo disfarçado que piso
Camuflado pela ilusão feliz
De fazer o que sempre quis
Pois então dou o passo que me faz cair
Num buraco de onde é dificil saír

E o sol que desperta as manhãs
Para além da noite acorda a realidade
E tudo volta a sentir o chão
Todo o sonho vivido na escuridão
Não passa disso mesmo e continua a dormir
O sonho de à superficie voltar a emergir.

Solidão

.
Divisões sozinhas, vazias
Anteriormente repletas de vida
Estão agora mortas à mercê do pó
Poeira que advém da partida
Do lar que vive só

Eco dos passos entoa nos corredores
Frios agora, quentes outrora
Perduram apenas vermes roedores
Roendo mobílias de quem foi embora

Solidão inesperada
Repentina e odiada
Nunca se está preparado para viver
Apenas acompanhado de nosso ser
Alguém com quem falar e ouvir
Corpo móvel fazendo-se sentir
Sentir sua presença viva
E a solene voz que cativa

Casa abandonada
Ao desprego por necessidade
Saudade acentuada
Pela dureza da realidade
E a vontade, essa vive longe
Ou não vive simplesmente
Porque vivendo sozinho…
Sobrevive-se sómente

E os dias tornam-se dolorosos
Quando á porta se espera alguém
Que se tem a certeza que não vem

Dor mais sofrida que sentida
Dor que esmaga o coração
Que outra dor poderia ser
Se não a dor da solidão?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Cemitério

.
Nuvens negras tapam o azul do céu
Encobrindo o sol que fraco brilha
Fazendo companhia á estrela que nasceu
A nova estrela que do céu é filha
E sob ela caminham passos tristes
Fugazes invólucros de dor
Que arrefecem com o chorar da tempestade
E apodrecem nas lágrimas da saudade
Saudade que no meio de gritos fica atenta
Às gotas que molham as tábuas em câmara lenta.
Lavados na sua própria água tropeçam
Nas pedras do chão calcadas pelo tempo
Os que da árvore morta, são rebento.

Abrem-se agora tamanhos portões gradeados
Que guardam a temida casa dos enterrados
Onde a luxúria e o exibicionismo
Lutam pelos olhares de quem os aprecia
E a fortuna, extravagância e o cinismo
Dizem querer apenas paz e alegria
Granitos, estátuas, cruzes, capelas
Quanto amor mais estes símbolos mostram
Do que, colocadas com carinho, simples velas?

Conforto não é com certeza
Lá em baixo tudo vale o mesmo
Tudo é feito de morte e frieza
Restos de uma vida numa final decomposição
Mísera carne putrefacta ou só esqueleto
Cobertos por momentos de recordação.
Aqui jaz, saudade eterna, sentida homenagem
Todas frases feitas por ser feitas
Talvez por falta de origem ou coragem
São postas em lápides quase como receitas.

Mudança

.
Não serei sempre um frustrado
Sei e conheço as minhas capacidades
Olho o futuro e parece-me desfocado
Sei que nele existem muitas possibilidades
Só não me sinto preparado

A mudança está sempre presente
E as escolhas dela fazem parte
Da água da esperança sou nascente
De que um dia eu serei arte
E a desilusão ausente

Submerso no medo de falhar
Agarro-me à luz da vontade
Uma vida apenas tenho para usar
E se errar escapar-se-á a idade
De mais tarde voltar a tentar

Mas porque é que nunca sonhei
Em ser alguém como toda a gente
Ser normal como tudo o que sei
Por mais que lute ou até tente
Sei que assim continuarei

A vontade imensa de ser diferente
Impede-me de sonhar por vezes
Por isso vergonhas meu ser sente
Dando aos dias cores de meses
Crueldade que não mente

É muito certo acabar tudo mal
Tudo dar errado e cair perdido
Jorrando lágrimas de água e sal;
No meio de tantos estar perdido
E abandonado por igual
Sei que não devo olhar para o lado
Olhar o outro e estalar-me na cara
A tristeza de não ter esse legado;
A fraqueza por a força ser rara
E o meu fogo molhado

Resta-me apenas continuar a ser eu
E lutar pelos sonhos em pausa
Acreditando que o limite é o céu
E que esta luta é por uma boa causa
Ai! Como quero que sejas meu!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Aranha

.
Aranha que teces a tua teia
Tenebrosa obscura e vil
Preparas todo o dia a tua ceia
Sacias-te até do teu servil

Rede emaranhada de linhas
Pescam para ti sem piedade
Fazendo o trabalho que tinhas
Presas obedientes à tua maldade

Instintivos voos e passares
Que desconhecem o destino
Negridão ruim por andares
Ou tentares passar de fino

Não se escapa se perto se passa
Da casa da morte – sua estadia
Vida aqui, mera e escassa
Vida aqui, já pouca havia

Que papel tens tu aqui
Que pareces só fazer mal?
E o mal que vive em ti
Mais salgado que o sal?

Tudo tem a sua razão
Forma e motivo para existir
Roubando até a compreensão
Dos incapazes de discernir

Existe porque é vida
Vive e continuará a viver
Obtendo a sua comida
Apenas fazendo morrer

Porque tal mal existe?
Tudo é igual enquanto vivo.
Má fama a tua que agora assiste
Colada ao fundo do crivo

Tudo é predador tudo é presa
Alimentando-se e sendo alimento
Tudo serve para compor a mesa
Com o bem e com o sofrimento

Aranha não te julgues má
Somos tão ou pior que tu
Tudo isto vejo hoje cá
Vejo-o agora como um déjà vu

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Cegueira

.
Maior alegria que podemos ter
A alegria do mundo puder ver
Saborear o sumo das paisagens
Sentir as cores a formar relevo
O picar dos raios nas suas passagens
O azul das letras que agora escrevo
Divina luz que não sabe o valor
Pois só quando apagada sabe a dor

Vejo e faço-o ainda perfeitamente
Sei que hoje o mundo não me mente
Tento imaginar o viver no escuro
Abrir os olhos e a noite ser o dia
O poço da incapacidade perfuro
Por não sonhar sequer o que seria
Sentir a natureza e não a provar
Querer a pureza e não a alcançar

Cegueira maldita e mal vinda
Feliz por não a conhecer ainda
Feliz por isto conseguir escrever
Triste por alguns que o vêm bem
Desvalorizarem a capacidade de ler
Ignorarem o mal que por sorte não vem
Tranca-los numa noite sem fim
E todos como sós ficarem assim

Pior aqueles que não querem acreditar
Cegos d’alma que não querem enxergar
Pobres de espírito corrompidos pelo mal
Negando a própria luz do bom senso
Crendo que vêm mais e até igual
Que todos os que pensam o que agora penso
E penso o que penso porque reparo
Reparo porque não fujo mas sim encaro.

Renascer

.
Fogueira outrora acesa agora apaga
Com a chuva do destino gelada
Destino obscuro e frio
Destino que pela insegurança a matou
E o calor da vontade levou
Para o abandono onde moram sonhos
Onde habitam esperanças e mudanças
Que ficaram por fazer
Que por tanto esperar se tinham de esquecer

Do fogo que iluminava a escuridão
Somente resta cinzas de recordação
Ainda quentes de momentos recentes
Que obedientes aceitam a fortuna
Uma fortuna sem calor
Sem conforto mas com a dor
E o sofrimento de apagar
E nada poder fazer para isso mudar
Perdurando assim na forca da sorte
Á espera que o bem transporte
O destino que há-de vir

O horizonte parece agora coberto pela nuvem
Pelo fumo fugido da cinza
Acarinhado no nevoeiro da manhã
Encobre o feiticeiro venenoso
Tornando o dia mais penoso

O vento volta a correr e a sentir-se
Pura brisa matinal que cura
Renasce o fogo que volta a viver
Volta a arder e a aquecer a vontade
Revive a esperança que morreu
Assassinada pelo choro
Canto dos anjos, sou coro
Calaram as angelicais profecias
Orações do bem conheceram o silêncio
E o descanso, os riachos e as rias
Triste tempo que no passado voa
E o canto dos anjos agora soa.

Hijos

.
Hijos de la tierra
Nacidos del suelo
Viviendo de la misma
Intentando sobrevivir
Se sienten a morir

La pureza de la vida
A vivir entre los arboles
La sensación del viento
Y de la piel mojada
A esto acostumbrada

Lejos de la ciudad
Y apartado del miedo
Se siente la libertad
Es puro vivir así
Es puro vivir aquí

Dios ayude esta gente
Que depende del tiempo
Y del lloro del cielo
Que tienen en las manos
El alimento para sus hermanos

Personas con orgullo
Que saben lo que es vivir
Y todos los días tienen que sufrir
Para sus hijos alimentar
Y a ellos un futuro asegurar

Lamento hermanos amigos
Que la gente del oro
Nos pisotean con desprecio
Llora ahora mi corazón
Llora por nuestra perdición.

Amar

.
Amor, quem sou eu para disto falar
Alguém que nem sabe o que é amar
Certamente nem sei o verdadeiro
Ou até se este mesmo existe
Sei, somente, que em mim assiste
A um sentimento selvagem e forasteiro
Vadio, verde e talvez inculto
Quem sou eu para gritar no tumulto
E que força tem a minha voz
Onde tantas palavras vivem sós

Posso brotar agora da terra
Como a frágil planta que busca o céu
Posso estar a começar a escalar a serra
E ainda com os olhos tapados por um véu
Mas desde que rebentei e a escalar comecei
A tamanha montanha que é a vida
Os sentidos e sentimentos desta subida
Já estalavam as reacções que aguentei
E por isso, se sinto porque tenho coração
Muito diferente dos outros sentimentos não são

É preciso sofrer para saber?
Não ser esfaqueado e como isso doer
Para finalmente dizer, sei o que é amar?
Ou somente, sei o que é por amor chorar?
Pois então digo, mergulhado na ingenuidade
E na inexperiência da minha tenra idade
Saber o que é amar é saber ser humano
Humano e não somente de carne e nome
Sê-lo por completo e sendo-o sabe sem saber
Que ama e sabe amar o bem que dele come.

Viagem

.
Numa caixa móvel percorro
Distâncias sem fim mas com destino
Guiado por vontades e bondades
Onde num teste de perigo alinho
Não sei se vale ou não o risco
Ou se de uma armadilha sou o isco
Simplesmente não sei o fim do caminho

Posso, claro, na viagem onde vou
Para sempre fechar os olhos
Mas medos e perigos há aos molhos
Pois por isso com esperança estou
Que para trás imune fique
O mal que muitos outros matou

O coração nas mãos fica
De quem na terra vê partir
Os entes que em busca da terra rica
Da raiz do lar têm de fugir

Paisagens estranhas entranho
Pelas estradas das cidades entranhas
Procuro ovelhas para o meu rebanho
Procuro-as como procuro ser maior
Sou pequeno ainda… um grão
Uma mísera migalha de pão

Sinto a sede de novos mundos
Beber da sua essência de conhecimento
Crescer a conhecer onde me alimento
E assim cresço mas só se não esqueço
As palavras ouvidas e terras pisadas
De lugares longínquos e gentes afastadas

Mas luto e tenho de fazer por ser
Ou por vir a ser parte útil
De uma vida inútil que estou a viver.

Luar

.
Fraca luz que à noite vive
E que dela e nela faz o seu trabalho
Como ela estou e sempre estive
Fraco, vivendo de remendo e atalho

Sentado nesta brisa aprecio a lua
E o que ela me dá neste momento
Aqui sinto a amargura da alma crua
Crua como uma planta verde ao vento

Não é triste o que agora sinto
Nem desolador este longe luar
Certamente porque as pedras finto
Na estrada pisada pelo meu andar

Tão fácil é caminhar pelo escuro
O escuro que vem dos olhos cerrados
Quando o luar te mostra o furo no muro
Onde possas pousar teus pés molhados

Molhados pela água que te faz falta
E escorregando nos anos de peso e dureza
Noite claramente pálida, lua alta
Dá-te olhos de ver à altura da pureza

A nós desejo que não nos falte luas
Da sabedoria, conhecimento e experiência
Pois cobrindo como cobre peles nuas
Dão-nos o conforto nesta nossa existência

E quantos dias não nos parecem dias?
E quantos minutos nos parecem horas?
Quantas companhias quentes ficam frias
E as boas oportunidades nos dão foras?

Todo o dia sendo dia para ti é noite
Se a luz dos astros não te guia
E qualquer nocturna sombra dói-te
Se a fé na luz não te faz companhia.

Teatro

.
A minha vida não passa de um teatro
No fundo, a vida de todos é uma encenação
Não quero dizer que somos falsos e sem coração
Não, apenas somos actores e actrizes
Que das falas fazendo guiões e matrizes
Comandam a própria vida mais facilmente
Porque não é difícil ser outro, basta não se ser
Não ser quem costumamos ser disfarçadamente
Mostrar a outra fonte onde vamos beber
Pois não há em nós uma só fonte de vida
Somos simplesmente mais que apenas um só
Não vale a pena esconde-los debaixo do pó
Debaixo da inutilidade assim entendida
Sem querer de cada dia fazemos as cenas
Cenas em que somos outros para parecer bem
E para que sejamos apreciados também
Isto acontece porque é preciso ser-se um actor
Ser-se um actor da vida sem qualquer pudor
Todos nós os somos, todos nós os seremos
Todos nós seres humanos precisamos interagir
Relacionar, criar, ligar-nos a quem queremos
Mas nada é feito, nada é conseguido
Se o nosso personagem deixarmos escondido
Não tem que ser mau nem propriamente bom
Tudo é feito por segurança e auto-estima
Tudo isto é feito, como quem faz uma rima.

domingo, 22 de agosto de 2010

Funeral

.
Perduram os corpos jovens
Pela casa, pisando a ignorância
Pensando eles demais importância
E sem saber o que há-de vir
Sem saber o que ia acontecer
Nem na imaginação haviam sentir
Que durante essa luz corpo irá morrer

Recebida a notícia, choro desperta
E pela face lágrimas jorram de culpa
Gritos, estalam nas paredes, o desgosto
E a impossibilidade o coração aperta
Esmagando a alma no quente mês de Agosto
Onde o calor agora esfria e desconcerta

Um corpo tinha acabado o seu trabalho
E uma alma dela partido para o infinito
E gera-se a desavença gera-se o conflito
E quem tinha a estrada agora tem o atalho

E a profecia da vida se completa
E se contempla com a etapa final
Mas com uma vida cheia e repleta
Ao que a teve como nada fica igual
Mero cadáver, mera carne vazia
Que outrora cheia muito fazia

E desfilam agora picando o caixão
Os olhares humidamente salgados
Pelo sal da dor e da compaixão
Relembrando em vão os já apagados
Como esse que se apagou e vai no escuro
Ao encontro do assustador fundo duro
Onde pousará e passará a descasar
O fruto que agora apodrece
Pela mão da natureza a trabalhar
Embora enterrado jamais se esquece

As saudades se infiltram e esfaqueiam
As dos entes vísceras crentes
Sangrando a força e serrando os dentes
Dor maior que consome como chama
A lenha guardada para se aquecer
Agora arde com o fogo de quem ama
Neste lúgubre e frio anoitecer.

Vivência

.
Vivo e esqueço-me que vivo
E vivo com uma vontade imensa
De me tornar um ser que pensa
Porque sei que não penso ainda
Inunda-me a ingenuidade e não finda
E a ignorância que é viver
E a incapacidade de se ser

Sei e sei-o bem, que não sei
Que não sei o que é viver
Viver verdadeiramente
Sentir como quem sente e não mente
Saber e ter o poder de dizer
Que vivi e vivo para contar
Os segredos das pedras espinhadas
Que me magoaram já enfeitiçadas

Que me digam que não sei
Que não sei o que é a vida
Nem o que hei-de fazer dela
Talvez não saiba mas duvida
Que um dia poderei dizer
Fui feliz porque soube viver

Não é só porque mais anos tem
Que do tronco soube fazer a porta
Pois quem tem serra que não corta
Não faz do mal já feito, nada bem
Vivendo assim da árvore morta
Estagnado e a perecer continua
A lutar para que encontre o sentido
De uma vida que vive de uma alma nua

Escrevo nas folhas da inexperiência
As palavras da razão por que escrevo
Enquanto procurando no duro chão
Tento encontrar o esperado trevo
Que me dará a linha e guiará
O pesado comboio que anda a carvão
E que anda sem emoção em linhas perdidas
Linhas que por mim, hoje, são vividas
Perdurando sempre a vontade
De um dia valorizarem a minha idade.

Sorriso

.
Permanente símbolo de felicidade
E por vezes mero caso simpatia
Reflexo ou engano de uma bondade
Que ao disparar liberta empatia
Abre a alma e ilumina a luz
A própria luz que o sorriso seduz

Pode até abrir muitas portas
Mas antes, uma abriu primeiro
Oh sorriso que em fatias cortas
A leve brisa gelada de Fevereiro
Destrancas caminhos que se perderam
Nos tantos meses que se esqueceram

A luz trancada pela janela fechada
Na divisão abandonada vive a tristeza
Que apesar de ser parte isolada
Vive em comunhão e em realeza
Junto do verdadeiro valor da alegria
Valor esse que a felicidade cria

Tão simples gesto, simples sentimento
Por vezes difícil, melhor não mentir
Quando apoderado de tristeza e desalento
Ser-se puro e verdadeiro e não sorrir
Não nos enganarmos principalmente
Pois quem é puro e verdadeiro não mente

Mais que boas palavras conjugadas
São gestos que sentidos são transmitidos
Mais que frases bem estruturadas
É sorrir sem complexos corrompidos
Tão fácil assim lidar com a situação
Deixando no outro uma recordação.

domingo, 15 de agosto de 2010

Obstáculos

.
Porque aparece e para que surge
Pedras, obstáculos que travam meus pés
Que me estorvam enquanto o tempo urge
E em vez de andar me retarda ao invés,
Buracos no caminho
Dias sem carinho

Cais sem forças, cais sem apoio
Desacreditas no futuro, desconfias do presente
Queres que tudo acabe e pare o comboio
Que te leva a felicidade e a torna ausente
Julgando-te perdido
Sentes-te esquecido

Mas o que é uma estrada a percorrer
Sem percalços, sem nem sequer uma curva
Uma recta sem nada para se conhecer
Onde fixas o fundo e a visão te turva
Não consegues alcançar
Nem lá queiras chegar

Não queiras chegar tão cedo
E aproveita o caminho que agora corres
Mas aprende e aceita virar sem qualquer medo
Desviando-te da estrada onde aos poucos morres
Sem nada descobrir
Do novo que há-de vir

Não desiludas por uma curva não fazer
Não Desistas por uma pedra te ter magoado
Porque errar não quer dizer perder
Errar é apenas não acertar no dado
Responsável pela vida
(este jogo sem saída).

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Avó (soneto)

.
Sinto e sei que sentes avó
No meio de tanta gente, só
Sem o teu ombro para encostar
Ao teu lado para te confortar

Assim a vida no livro escreveu
As palavras vindas do céu
Ama quem te ajuda e apoia
Repudia quem te quer a jóia

Sozinha te deitas e levantas
Da cama que aquece sem mantas
A música da dor que cantas

E porque a idade já não mente
Fica no conforto desta gente
Que te ama e mantém quente.

Avó

.
Avó, seus passos já caminharam mais largos
Agora curtos percorrem já cansados
As memórias daqueles tempos passados
Em que andar era brincar com a distância
Era louvar a infância do sonho apagado
Sonho e sonhos que ficaram nessas linhas
Vazias e nuas daquele caderno rasgado
Pela pobreza que tenho em lembranças minhas
Lembranças não vividas mas bem ouvidas
Dos seus filhos incluindo minha mãe
Boa vida não tiveram, dizem, culpa sua
Por quase ser verdade viverem na rua
Miséria vivida, miséria passada e esquecida
Males tapados e escondidos por bocas fechadas
Não interessa mais a esta vida envelhecida.
Avó que sempre aos outros quis dar mais
Digo apenas o que vi e senti, não vos zangais,
Deixou o seu lar a descansar em paz
Já lá viveu o que tinha a viver e a passar
Largue-se dessas pedras, deixe para trás
Há muito mais que meras pedras para se amar
E marido, filhos, netos, bisnetos agora esperam
Que abra os olhos e aceite a dura realidade
Que a vida foge e se aumenta a idade
Se eu não for antes avó, deixará saudade.

Monstro

.
Reflecte-se no espelho pela manhã
O mestre pecado da verde maçã
Procuram os olhos meu reflexo
Mas encontram só, um nada virado
Invadindo sem piedade ou complexo
Meu esboço do corpo tirado

Não sabe o que vê? Sabe-lo bem
O coração que o meu corpo tem
Será dele o meu real problema?
Ou do monstro que vive sem renda
No seu confortável e diabólico lema
Reza assim o fim a velha lenda

De o tirar de mim sinto-me incapaz
Pois rouba-me a calma, leva-me a paz
Um outro eu que me apoderou
Ou até que sempre em mim viveu
Insatisfeito comigo próprio estou,
Vivo agora sem chão, vivo sem céu

Monstro que me comes por dentro
De um buraco negro sou o centro
Sugas todo o mal que te dá a volta
O mal que me rodeia e te procura
Quero largar-te e deixar-te á solta
Quero o bem que vem e te rotura.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Desilusões

.
Sentir bem ou bem sentir
Obedecer ao que se pedir
Sentir-se alguém
Que com a vida vive bem
Consigo mesmo a emergir
Das profundezas do mar
Que o afoga em mágoas
E nas lágrimas do seu chorar

Porquê nascer assim
Porquê tu o escolhido
Não te sintas ofendido
Por em ti ser posto o pé
De quem não tem fé
Ou até de quem acredita
Que é bom e não o é
Oh alma seja bendita

Não houve misericórdia
Dizes tu deitado em lamúria
Em desprezo e em fúria
Sem consenso nem discórdia
Pois não sabes porque nasceste
Nem porque o mal te aparece
Certo estou que recebeste
Uma bondade que perece

Assim és tu de alguém filho
Que te cria e ensina
Como uma espiga de milho
Que não sabe porquê ali
Nasceu e é cuidada
E um dia abandonada
Pelo caule que lhe deu vida
E agora a despedida

Só nos resta aceitar
Saber viver e respeitar
A diferença e a crença,
Aceita sem ofensa
O teu corpo e a tua alma,
Somos quem somos
Nem sempre o que fomos,
Vivem espelhos sem calma

Sem calma desesperados
Ou o teu reflexo apenas
Faróis apagados
Noites serenas
Deseja o dia e a luz
Para que se veja na cruz
Todas as tuas desilusões
Todas essas perdições.

sábado, 7 de agosto de 2010

Mistério

.
Quatro letras tem a palavra
Onde a primeira na terceira do quatro está
Procura a caixa e espera que abra
Com a chave de quem lá vá

Vive a segunda no inicio da montanha
Que se escala até ao cimo chegar
De baixo ao topo, sobe sem manha
Que o sentimento irás encontrar

Um casal já está feito
E o outro já vem a caminho
Encontra a terceira mesmo á beira
Ou no fim do teu carinho

Por fim na quarta será a quarta
Para terminar o que quero dizer
Só espero que para longe parta
O oposto a feliz ser.


(Decifra o poema e descobre a palavra)

Flor

.
Perdida entre tantas
Encontrei essa flor
A mais simples de todas
Me fez este favor
Encontra-la onde floresce
A mais linda flor que cresce

Em mais nenhum lugar
Te encontrava se não aqui
Jardim de mim para ti
Jardim sem fim a despertar

Caminhos me guiaram
Bem ao teu encontro
E a alegria eu demonstro
Às que para trás ficaram
Às mil flores que me roubaram
Para que te encontrasse
Louvado estou porque o fizeram
Os caminhos que me quiseram

Aqui nasce o lindo sol
Aqui morre a branca lua
Onde por de trás se pousa nua
A nuvem crua sendo mole,
A nuvem que me turva a visão
E ao coração impede de ver
A jovem flor que está a crescer

Porquê esta e não outra
No meio de tantas que eu vi?
Porque foi por esta e não por outra
Que algo diferente eu senti

Sem medo sem receio
Aproximei-me devagar
Entre elas corri no meio
Passos vagos e de acalmar
Pois cada vez mais perto estava
Da flor que iria cuidar

Vive agora em meu jardim
Esta flor de jasmim.

Pedras

.
Não sei o que escrevo
Nem porque escrevo
Sinto só que deva escrever
As palavras que estão a ferver
No meu corredio sangue
Para que este não se zangue

Mas porquê estas palavras
Tão pobres e míseras
Nem dignas de poeta são
Nem do coração ou das vísceras,
Vão-se esboçando sem emoção

Coitado de mim, onde vou
Pernas paradas, mão activa
E uma visão que me cativa
É o que me resta do que ficou
Ao longe na colina fina
Que me denuncia e magoou

Tristeza minha esta
Por não ser quem sonho ser
Mas tempo sobra e fica a ver
A tempestade que arruma a festa

Invoco alma triste
Que descreve o que vivi
Escreve na pedra o que senti
E na areia o que vi
Leva a água e esquece
As palavras que lá escrevi

Pedras da vida que se acumulam
Nas mãos que me seguram
Não esqueço o frio nem a dor
Que me puxam e empurram.

Caminhos

.
Um passo atrás do outro
Sigo a linha de um sonho
Talvez este não encontro
Mas de força disponho
Para continuar a percorrer
Esta linha sem temer

Oh medo que me travas
E que encravas meu andar
Solta-me das tuas cordas
Larga e deixa-me sonhar

Sombra insegurança
Falta de confiança
Sei lá eu o que me sobra
Faço ideia do que me estorva
Perdura a esperança

Palavras, gestos e sinais
Por onde e pelos quais
Caminhos sós vós andais?
Sem mim perdidos
Esquecidos de um sim
Mau olhar, olhar de lado
Fogo preso mal apagado
Luz da chama que acalma.

Oh vida! Porquê só em querer
Sou castigado por lutar
Sou mal tratado pelo ser
Que me revolve e quer matar
O que ainda resta para se amar

Talvez mereço o que aparece
O que me passa e acontece
Pelo mal que tenho feito
Por si só eu já aceito
Mas espero ser um dia alguém
Que por trilhos verdes vem
Com a sua cruz ao peito.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Fim

.
O tempo passa, corre, cresce, aumenta
Desliza pelas mãos que não o agarram
E se perde entre os medos que esmagam
Os pensamentos e boas sensações
Que guardam muitas recordações
Mesmo que nada possam ter
Fiéis são e irão ser

Pensamentos que guardam momentos
E que na impossibilidade de os reviver
Ou na alegria de os esquecer
Se esquecem até os esquecimentos

Se passa ao lado se fecham olhos
Olhos que não querem acreditar
Miseráveis olhares de despertar
Acordar e finalmente ver
O podre pão deposto no chão
Que pisam pés de boa mente.

Imundo e apesar de imundo
É homem e humano aquele que é
Carne da carne que veio ao mundo
E caiu num fundo sem pé
E se segura agora numa esmola
Que o puxa sem corda donde desola

Olhem para trás e vejam bem
O que no passado ficou e agora vem
Buscar o que não se devia roubar

Olhem e interiorizem a vossa visão
E reparem onde estão agora os pés
Outrora acelerados agora à média rés

Mundo onde paras e porque rodas demais
Porque rodas demais e eu não acompanho
Nem desdenho por não teres pais
Talvez por isso rodes pelos demais

Tudo se constrói e o que se constrói
Mais tarde se mói quando não doa
Por fim se atire na lagoa
O pobre animal que daí foi roubado
Do nobre habitat de onde vinha fadado
Onde era amado e bem cuidado
Porque o fim não tem apenas letras
Tem um valor que assusta e que custa
Mais que dinheiro, aceitar a verdade
A realidade de quem somos e fomos
Não somos donos, apenas turistas
Que passam em vão e deixam pistas.

Sentido

.
Como rodam os ponteiros do relógio
Leves e simples apontam o tempo
Que os puxa, que os empurra
Que os esmaga e que os esmurra
Nas paredes da caixa que é a vida

Pois o tempo sendo tempo tem tempo
E faz-me esperar, pela corrente que passa
Sem graça, mas que é forte e enfrenta a morte
Sem medo, mas com sorte segue a margem
Dignifica o tempo porque corre sem paragem

Não o perde porque simplesmente não pára
Assim como a vida que age como um rio
Onde, formado de água, pedras e margens
Tem corrente que não mente como a vida
E que não engana como uma partida

Como uma partida que não tem ida
Fica apenas a parte que sozinha fica
Sem sentido ou até com significado
Que indica, seu valor, ou fica calado
Digerindo todo esse rancor sem amor

Mas sem amor não vive o homem
Como pode então ser-se quem não se é
Vivendo de pé onde as plantas comem
E morrem sem sequer saber o que é amar
E tardar pelo que se tem de esperar

Porque sentido não é somente tê-lo
É sê-lo também, é ser o próprio valor
O próprio mistério que se procura
Ser o cemitério onde se enterram dúvidas
E imperam calúnias às suas súplicas

Até mesmo o que escrevo pode então
Nem ter o que procuro dizer ou transmitir
Mas não é por isso que tenho de mentir
Digo apenas o que sinto por ser sentido
E por ser compreendido com sua razão

Por vezes apenas compreendido por mim
Mas tem de ser assim, ser o que não parece
Ser a prece da invocação que nos aquece
As palavras aparentemente vazias de tudo
Que deixam um coração que mente… mudo.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Espera

.
Na esperança de momentos, viajo sem fim
Sensações e emoções que me deixam assim
Deliciado por experiências novas de prazer
Que invocam em mim actos que devo prender

Enlouqueço de tédio quando mergulho na insignificância
As coisas que me rodeiam deixam-me na ignorância
Por não saber porque a vida é assim e o ser humano precisa
De mudar para ser mudado numa mudança indecisa

E neste momento no local onde meu corpo ainda vive
Algo estranho, maduro e velho em mim sobrevive
Sinto a decadência da minha alma escura
Onde o sonho anteriormente proposto já não dura.

Palavras que se libertaram e agora insólito relembro
Como a água passa fria e gelada nos meses de Dezembro
Assim estão meus sonhos, frios e distantemente congelados
Á espera que alguém, que talvez não eu, os torne realizados.

E sempre aquele que nos dá a mão a retira mais tarde
Será bom ou mau, defeito ou qualidade de um olhar que arde
E que nos queima de esperança e nos afoga na saudade
Por dias passarem e o sonho permanecer na obscuridade.

E alimentamos, rezamos e esperamos que chegue a hora
A tão desejada hora da realização e satisfação que me adora,
Que me adora de longe, á distancia de um simples passo
Mas difícil de dar, pois é difícil andar onde já não há espaço.

Não há num quarto tão pequeno e frio, escuro e sem conforto
Onde nele sigo um sentimento a que fico atento, mas é torto
É torto mas é ele que sigo sem medo do que possa encontrar
Pois sinto, sei e digo que onde me encontro cá não quero estar

Fugir, não talvez, ou sim moderadamente, quando vejo simplesmente
Que neste desconforto onde vivo, e o vivo por não ser quente,
Eu não posso caminhar. Não posso ignorar a minha insatisfação
Por não conseguir, sozinho, atingir a total e viva realização

Porque é que quem do ouro nasce merece a luz do dia
Que não ilumina a flor que abre às escuras na noite fria
E que tem de fechar, por luz não ter para que possa viver
E crescer para que um dia seja vista e valorizada ser

Morrendo assim às claras do luar a linda e vistosa flor
Que, nascendo numa floresta densa e vazia nunca teve amor
E o calor de um olhar que a faria brilhar onde não passa vida
Onde por mais que brilhem nessa floresta, essa luz não tem saída.

sábado, 19 de junho de 2010

Turma

.
Onde momentos bem passados
Tornam outros mais apagados
No livro em que escreve a história
De uma turma que fica na memória.

Saudades e recordações perduram
Em corações que setas furam
Setas que apontam caminhos,
Diferentes mas não sozinhos.

Pois cada um de nós sempre terá
A esperança de que um dia tornará
Ao ponto de partida para encontrar
Os amigos que nunca deixou de amar.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Penso

.
Pensar que penso
Saber quem sou
Mais do que onde estou
Andar pelo mar denso
E esquecer para onde vou

Pois derivo sem destino
Onde por destinos desatino

Estarei perdido
Ou apenas desiludido?
Nem sei se por onde passo
Deixo ou roubo espaço
Onde já ele, vive escasso

(Ser realmente importante
Que num simples instante
Se entra numa vida desinteressante)

Não sei se sou assim
Ou se me imagino ser
Alguém que entra sem temer
Na casa de quem não acredita
Que é possível dizer sim
A um caminho que não interdita
O nosso verdadeiro ser.

Pétalas

.
Leves pétalas voam
Da flor inocente escolhida
Levam ao horizonte a vida
Dos sons da vontade que soam
Do grito de alguém que espera
Ser ouvido onde não era

Para onde vais, tu sonho
A coragem a ti imponho!

E o vento que te faz voar
A esperança se deseja ser
De não te deixar morrer
Sem esse destino alcançar
Pelo menos esse desejo
Onde nele irá um beijo

Beijo de força e energia
Beijo de paz e alegria!

Coragem que em vão não morre.
Folhagem que impede a visão
Da luz que puxa da escuridão,
E do mal para o bem se corre
À procura de quem o olhe
O aceite e o acolhe

Vontade que perdura viva
Uma força que nos cativa!

Nem todo o grande
Assusta e não responde
Resmunga e até esconde
Onde por ele mesmo ande
Passos que também se pode dar
Sendo-se pequeno no mesmo andar

Mas todo o passo é possível
Se temos vontade que seja visível!

O conhecer traz ajuda
E conhecer quem conhece
Dita numa leve prece
A oração que te muda
De um conhecido por não se conhecer
Para um conhecido por a ele se ver

Agarra as pernas dos grandes
Não para os travar mas para que também andes!

E a humildade que perdure
Quando se encontra a luz
Que se espera, não ser a cruz
Onde a voz morre e a dor dure
Por não saber ser-se quem era
Quando, como bons, o bem se fizera

Segue por entre atalhos e labirintos
Sempre fugindo dos “lobos” famintos!

Aparecem as indesejadas dificuldades
Que enlameiam os nossos passos
E tornam os nossos olhos baços
Roubando assim a facilidade
Mas também esta não se deve querer
Para que a fraqueza não se tenha que temer

Realizar os sonhos sem esforço
É como estar sem água um fundo poço!

Preservar quem sempre fomos
E alimentar a nossa fé
Manter os sonhos de pé
Sem porquês nem comos
Que só saqueiam a esperança
A vontade e a confiança

Agora, em pequeno, sonhas o que viverás
Luta como um grande e essa vida, um dia terás!

Poetizar

.
Sentir o que se escreve quando se escreve
É temer por não se escrever o que se sente
É espreitar o engano a nós próprios
É entrar pela porta que nos mente.

Pois no momento em que o lápis desliza
Marca a alma com uma pura linha
Deixa parte sua na folha lisa
Onde por traços tortos ele em paz caminha.

Palavras que por vezes vazias de sentido
Pobremente seleccionadas sem porquê
E ligadas umas às outras num som unido
Cantam uma harmoniosa melodia que se vê.

Entenda-se a simplicidade das letras
Entenda-se as suas conjugações num verso
Que expressam o pensar das emoções
Que de um corpo ou alma são o reverso.

Toda a mesma história continua
Saltando de degrau a degrau até ao chão
Descendo as escadas de uma vida partida
Dando acesso aos escuros confins do coração.

E lá no fundo onde a escuridão impera
Vivem os segredos que as palavras decifram
Vivem os medos que o sonho dissera
Serem guardados em retratos apagados.

Mas tudo irremediavelmente tem um fim
Onde tudo acaba e deixa na memória
A recordação de uma poesia assim
Que canta aos deuses sua lírica história.

Ser-se

.
Como o tempo passa tranquilamente
Ninguém pode nada apenas se sente
Os dias contando e as horas correndo
Luzes apagando e pessoas morrendo
Tudo isto com explicação:
Não se pode dizer não.

Efémera vida que a todos nos calha
Cana verde que se torna em palha
Para quê contrariar a Natureza
Se ela sem medo actua com leveza
Sendo tarde ou cedo
Ela nos mata sem tristeza

Ingénua luz a das baixas plantas
Oh inconsciência tu que me encantas
Habitas a erva e até mesmo o animal
E porque com a pessoa não ages igual?
Não digo a todas nem sempre
Só não quero que a dor entre

Mas o próprio saber de que se sabe
Não é mau de todo e até em nós cabe
Infelizmente só sabendo se sabe a dor
Do que é ser-se Homem e não uma flor
Ser-se e não apenas ser
Ver-se e não apenas ver

Ter alma, grande responsabilidade
Ter calma, grande estabilidade
Pois a vida baseia-se em alterações
Diferentes sentimentos e acções
Que fazem nós quem somos
E nunca mais seremos quem fomos

Ser humano não é apenas ser vivo
Não é apenas viver pelo simples motivo
De nascer crescer e por fim morrer
Não é apenas, de pessoas, chamados ser
Ser humano é também ter consciência
Da dor que implica a nossa existência!

sábado, 5 de junho de 2010

Rio

.
Vem sentar-te onde estou
Onde estou e onde fico a olhar
O tempo passar e dizendo-me:
Que tendo-me com ele, ele escolhe
E me acolhe nas suas asas
Que são casas para almas nuas

Vem sentar-te aqui comigo
Onde contigo quero estar
E aproveitar o ar que respiro
E suspiro por medo eu ter
De perder o que me dá vida
Que embora perdida, tenho-a

Tenho-a agora á beira-rio
Onde do frio ela é amiga
E da cantiga que me assusta
Porque me custa acreditar
E aceitar a melodia do adeus
Que em sonhos teus, vou cantar

Oh rio como tranquilo corres
E morres quando encontras o mar
Não consegues parar e eu andar
E fico imóvel a pensar na solidão,
Das margens e do chão, sem ti
Aqui para as molhar com teu passar

A água que tu representas
E me apresentas é o tempo,
É o templo e o exemplo da vida
Que sem outra saída segue em frente
Ausente de qualquer recuo
E amuo por esse não estar presente.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Pensamentos

“Amor”
Tudo fala dele com dor
Como se de algo não se quer
Mas no fundo o que é o amor
Se a quem amar eu não tiver?

“Crianças”
Gestos de simplicidade
Olhos de bondade
Respiram do ar da ingenuidade
A felicidade que é amar
E será que sabem o que é?
Ou apenas por instinto
Sentem o que agora sinto
Ao escrever para vós
Crianças que nunca vivem sós.

“Alma”
Parte de mim que flutua
Serei eu ou o que penso ser?
Será a casa ou mesmo a rua
Que deixa nua a dor de ter
Pensamentos de incerteza
Sem momentos de clareza.

“Poemas”
Mero jogo de palavras perdidas
Que sem querer por mim são vendidas
A um lápis ingénuo que caminha
Sem saber porquê na sua linha
Puxando assim do fundo poço
Os leves traços do meu esboço.

“Diário”
Meu bom diário
Em ti adormecem as minhas palavras
Entre portas, que espero, tu não abras
Apenas eu sei o que aí mora
E o desvendarei na certa hora.

“Sonhos”
Deitam-se as esperanças
Nas nuvens dos meus pensamentos
Lindos são quando em crianças
Vida nos dão em certos momentos
E para que não morram numa praia de recordações
Vamos alimenta-los bem nos nossos corações.

“Crepúsculo”
As luzes se apagam
A noite se abate sobre mim
A escuridão é mesmo assim
Os olhos fecham
A solidão me invade
Sem qualquer piedade
Fico perdido
Não sei o que fazer
O dia nasce esquecido
E a noite chega sem anoitecer.

“Animal”
Pobre animal que pisas com teus pés
Essa erva onde a tua ignorância não te enerva
Será que sabes o que és?
Será que sabes que mentes
Quando não dizes a verdade?
Ou talvez apenas por maldade
Negas a lealdade aos teus parentes?
Nada disto sei, não confirmo
E tudo o que pensei, não tarda em consumir-mo
A impossibilidade de ser tal como esse animal.

“Impulso”
Pela fé no inesperado
Acredita o homem no incerto
Mas contem-se em estar parado
E de longe mantém-se perto
Da calma que o segura
No lugar onde sua alma é pura.

“Inteligência”
No fundo a capacidade de ver
Não apenas de olhar, mas de perceber
Captar o que nos é visível
E poder acreditar que é possível
Ter a capacidade de se ser capaz
E desfrutar da alegria que nos trás.

“Tempo”
O dia cai e a noite recebo
A luz morre e o que hoje foi amado
É já passado nas palavras que escrevo
Baseadas num sentimento enterrado
Mas que do qual nada foi apagado
E ao dizê-lo sinto que faço o que devo.

“Retrato”
Figura estagnada que observa
De olhos fixos e mortos escuta
As vozes silenciosas que em si reserva
Ressuscitadas do pó de uma vida
E que ainda não encontraram saída
Depois de uma longa e demorada corrida.

“Pobreza”
Ser pobre é ser triste
É não ter felicidade
É poder aceitar a liberdade
Que o não ter lhe permite
E nega-la por maldade
E pelo orgulho que transmite
A troca do que se mais quisera
Por aquilo que sempre se tivera
Ser pobre não é não ser rico
É não querer a verdadeira riqueza
E pureza de quando se atinge o pico
O pico da montanha que somos nós
Logo então caímos e ficamos sós.
Ser pobre é ser “vazio”.

“Corpo”
De carne sã meu corpo se forma
E de uma alma podre ele é dono
Entristece saber que se torna
Em algo que adormece no seu próprio sono
Para tentar não mais sentir
O que lhe pesa e faz dormir.

“Lágrimas”
Doces gotas de água salgada
Lavam a cara com um simples beijo
E assim se expulsa a dor guardada
Nos cofres do fundo mar que eu não vejo
Vindo á superfície toda a amargura
Do mal, no passado feito, que ainda dura
E perdura na nossa lembrança
Ameaçando tirar-nos a esperança.

“Sobrevivência”
Aqui me sento e me flui o pensar
Em toda a vida que me rodeia
Em todo ser que até a memória me faz faltar
Uma mera rede, uma simples teia
Finas linhas que se encontram
E lutas pela sobrevivência demonstram
Mas tudo teme, tudo espera, tudo receia.

“Rochedo”
Subo a um rochedo naquele monte
Sento-me sentindo o vento bater-me
E a arrefecer-me todo o meu corpo
E a minha alma arrefecendo o ar
Me deixo a pensar em como conter-me
Desta angústia que me aperta o coração
Parando o sangue que corre sem emoção.

“Mar”
Águas profundas
Águas sem fim
Mar que me abundas
E me deixas assim
Inundado de tristeza
E sem qualquer riqueza
Onde me possa agarrar
Neste infinito mar.

“Chuva”
Choro do dia
Em que lágrimas caía
Gotas sós e acompanhadas
Luzes pálidas e apagadas
Com baixo olhar nos olhas
E com poder nos molhas
Chove para eu sentir
O destino que há-de vir.

“Solidão”
Os dias passam e sozinho espero
Pela hora que vem e eu não quero
Um só, em meu lugar vive
E em sonho acompanhado estive
Pior que estar sozinho
É ser um, um apenas
Sem encosto nem carinho
Um teatro sem cenas
Um vazio sem amor
E repleto de eterna dor
A dor da solidão
A que todos dizem não.

“Desprezo”
Olhares de insignificância
Andares sem importância
Uma voz de desprezo
Uma presença sem peso
Assim vives tu ninguém
Abaixo daqueles que tem
O poder de te pisar
E o dever de parar
Com toda essa demonstração
De grandeza e frustração.

“Grande”
O que é ser grande?
Ser maior? Ser alguém?
Ou talvez aquele que anda
Onde não anda ninguém?
É ser diferente, não ser vulgar
Seguir em frente, não recuar
Ao passado que não tem
Alma para o amar.

“Mendigo”
Velho da rua
Onde jaz alma sua
Sem vida vive quase
Á espera que passe esta fase
Onde o frio o gela
E a calçada lhe dói
E na solidão, mergulhado nela
Dor maior que te corrói.

“Inveja”
Olham-nos de cima abaixo
Aqueles olhos esfaqueantes
Sentimentos que eu não encaixo
Sensações sufocantes
Olhar de sangue e raiva
Espera que o vizinho não saiba
Onde seu ódio ele esconde
Que nem ele mesmo sabe onde
Pois corre-lhe nas veias
Onde de mal elas estão cheias
Mas nada se esquece, nada se perde
E espero que enquanto seu corpo apodrece
Maldade, ele não mais herde.

“Velhice”
Rugas lhe cobrem o rosto
Peso da idade, peso do desgosto
Anos se acumulam numa caixa aberta
Repleta e a mesmo tempo deserta,
Histórias para contar, contos para esconder
Noites sem luar, dias a chover
A luz está mais longe que a escuridão
Pois para lá, passos caminham sem emoção
Outros com aceleração e cansados de sofrer.
Mas noites sem luar e dias a chover sempre haverá
Para quê resistir? Nada cá ficará.

“Resignação”
Resignamo-nos ao que vimos
Aceitamos o que sentimos
E pensamos, para quê mudar?
Para quê ser melhor?
Não vale de nada esperar
Não vale de nada saber de cor
As leis da vida para se Ser
E no fim continuar a temer
Pelo que vem depois da mudança
E que a prende e não avança.

“Medo”
Ter medo do que se vê
Ter do que não se pode ver
Temer por aquilo que nos faz sofrer
E fugimos, escondemos
Caímos e percebemos
Que o medo é não estar preparado
Para ver o que nos tem esperado.

“Destino”
Acreditar que estão escritos
Os passos que darás na vida
É como ignorar os gritos
Da voz que te levará á saída
Da escuridão que te mergulha
Na emoção que não te orgulha,
E ficas preso e envelhecido
Nesse teu destino esquecido.

“Vergonha”
Sentimento que impede
A acção que a ele procede,
Um sentir indesejado
Um gesto inacabado de confiança
Onde se deposita toda esperança
De tentar e conseguir,
E o medo da mudança
Por errar e cair.

“Morte”
Um ponto final, um fim
E toda a vida acaba assim
Chega sem aviso
E não diz o que é preciso
Para levar mais um olhar
E ao dono tirar o ar,
Presença mais presente na vida
Morte mais viva que a sorte
Logo nascidos começamos a corrida
Oposta á porta mais temida
E de nada vale chorar
Pois este é “apenas” o nosso terminar.