domingo, 21 de novembro de 2010

Pobre

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Pobre criança que a inocência molha
Cavas a terra sem bem saber porquê
Cavas em busca da tua mesma sobrevivência
O solo que pisas ferozmente
E sentes sentidamente o sabor demente de se ser
Corpo feito máquina que trabalha para aquecer
Pobre criança que a inocência molha
Fazem-te maior que aquilo que sonhas
Sonhas porque a realidade é mesmo verdade
E a vida que levas sabe Deus
A vontade que elevas rezando aos céus
De fugir do mundo em que caíste sem escolha
Como cai no chão a verde folha

Trabalhas com a tua boca desconhecendo o sabor
Do que é o pão da tua subsistência
Do que é sentar á mesa de uma refeição
E escolher por tua mão o amargo alimento
Que agora cavas dolorosamente e com consciência
De que ele nunca poderás provar nem apreciar
Pobre criança que come do seu próprio descontentamento

Oh mãe que a pariste para que fosse escravo
Teu mesmo escravo e obediente servo
Tua cria que nunca fora quente senão fria
Sentindo apenas o calor do estalar do sol
Nas suas costas vergadas de trabalho e de dor
E no seu corpo que não sabe o que é carinho
Que não sabe o que é conforto nem sequer amor
Sabe apenas o que é fome e desassossego
Que sente nas noites ao relento imersas em desalento
Nas madrugadas sem luar, nos dias sem luz
Pobre criança que a inocência molha
Pobre infância roubada por quem te quis ter
A sofrer neste mundo a ser um ser imundo.

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