terça-feira, 28 de setembro de 2010

Cemitério

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Nuvens negras tapam o azul do céu
Encobrindo o sol que fraco brilha
Fazendo companhia á estrela que nasceu
A nova estrela que do céu é filha
E sob ela caminham passos tristes
Fugazes invólucros de dor
Que arrefecem com o chorar da tempestade
E apodrecem nas lágrimas da saudade
Saudade que no meio de gritos fica atenta
Às gotas que molham as tábuas em câmara lenta.
Lavados na sua própria água tropeçam
Nas pedras do chão calcadas pelo tempo
Os que da árvore morta, são rebento.

Abrem-se agora tamanhos portões gradeados
Que guardam a temida casa dos enterrados
Onde a luxúria e o exibicionismo
Lutam pelos olhares de quem os aprecia
E a fortuna, extravagância e o cinismo
Dizem querer apenas paz e alegria
Granitos, estátuas, cruzes, capelas
Quanto amor mais estes símbolos mostram
Do que, colocadas com carinho, simples velas?

Conforto não é com certeza
Lá em baixo tudo vale o mesmo
Tudo é feito de morte e frieza
Restos de uma vida numa final decomposição
Mísera carne putrefacta ou só esqueleto
Cobertos por momentos de recordação.
Aqui jaz, saudade eterna, sentida homenagem
Todas frases feitas por ser feitas
Talvez por falta de origem ou coragem
São postas em lápides quase como receitas.

Mudança

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Não serei sempre um frustrado
Sei e conheço as minhas capacidades
Olho o futuro e parece-me desfocado
Sei que nele existem muitas possibilidades
Só não me sinto preparado

A mudança está sempre presente
E as escolhas dela fazem parte
Da água da esperança sou nascente
De que um dia eu serei arte
E a desilusão ausente

Submerso no medo de falhar
Agarro-me à luz da vontade
Uma vida apenas tenho para usar
E se errar escapar-se-á a idade
De mais tarde voltar a tentar

Mas porque é que nunca sonhei
Em ser alguém como toda a gente
Ser normal como tudo o que sei
Por mais que lute ou até tente
Sei que assim continuarei

A vontade imensa de ser diferente
Impede-me de sonhar por vezes
Por isso vergonhas meu ser sente
Dando aos dias cores de meses
Crueldade que não mente

É muito certo acabar tudo mal
Tudo dar errado e cair perdido
Jorrando lágrimas de água e sal;
No meio de tantos estar perdido
E abandonado por igual
Sei que não devo olhar para o lado
Olhar o outro e estalar-me na cara
A tristeza de não ter esse legado;
A fraqueza por a força ser rara
E o meu fogo molhado

Resta-me apenas continuar a ser eu
E lutar pelos sonhos em pausa
Acreditando que o limite é o céu
E que esta luta é por uma boa causa
Ai! Como quero que sejas meu!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Aranha

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Aranha que teces a tua teia
Tenebrosa obscura e vil
Preparas todo o dia a tua ceia
Sacias-te até do teu servil

Rede emaranhada de linhas
Pescam para ti sem piedade
Fazendo o trabalho que tinhas
Presas obedientes à tua maldade

Instintivos voos e passares
Que desconhecem o destino
Negridão ruim por andares
Ou tentares passar de fino

Não se escapa se perto se passa
Da casa da morte – sua estadia
Vida aqui, mera e escassa
Vida aqui, já pouca havia

Que papel tens tu aqui
Que pareces só fazer mal?
E o mal que vive em ti
Mais salgado que o sal?

Tudo tem a sua razão
Forma e motivo para existir
Roubando até a compreensão
Dos incapazes de discernir

Existe porque é vida
Vive e continuará a viver
Obtendo a sua comida
Apenas fazendo morrer

Porque tal mal existe?
Tudo é igual enquanto vivo.
Má fama a tua que agora assiste
Colada ao fundo do crivo

Tudo é predador tudo é presa
Alimentando-se e sendo alimento
Tudo serve para compor a mesa
Com o bem e com o sofrimento

Aranha não te julgues má
Somos tão ou pior que tu
Tudo isto vejo hoje cá
Vejo-o agora como um déjà vu

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Cegueira

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Maior alegria que podemos ter
A alegria do mundo puder ver
Saborear o sumo das paisagens
Sentir as cores a formar relevo
O picar dos raios nas suas passagens
O azul das letras que agora escrevo
Divina luz que não sabe o valor
Pois só quando apagada sabe a dor

Vejo e faço-o ainda perfeitamente
Sei que hoje o mundo não me mente
Tento imaginar o viver no escuro
Abrir os olhos e a noite ser o dia
O poço da incapacidade perfuro
Por não sonhar sequer o que seria
Sentir a natureza e não a provar
Querer a pureza e não a alcançar

Cegueira maldita e mal vinda
Feliz por não a conhecer ainda
Feliz por isto conseguir escrever
Triste por alguns que o vêm bem
Desvalorizarem a capacidade de ler
Ignorarem o mal que por sorte não vem
Tranca-los numa noite sem fim
E todos como sós ficarem assim

Pior aqueles que não querem acreditar
Cegos d’alma que não querem enxergar
Pobres de espírito corrompidos pelo mal
Negando a própria luz do bom senso
Crendo que vêm mais e até igual
Que todos os que pensam o que agora penso
E penso o que penso porque reparo
Reparo porque não fujo mas sim encaro.

Renascer

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Fogueira outrora acesa agora apaga
Com a chuva do destino gelada
Destino obscuro e frio
Destino que pela insegurança a matou
E o calor da vontade levou
Para o abandono onde moram sonhos
Onde habitam esperanças e mudanças
Que ficaram por fazer
Que por tanto esperar se tinham de esquecer

Do fogo que iluminava a escuridão
Somente resta cinzas de recordação
Ainda quentes de momentos recentes
Que obedientes aceitam a fortuna
Uma fortuna sem calor
Sem conforto mas com a dor
E o sofrimento de apagar
E nada poder fazer para isso mudar
Perdurando assim na forca da sorte
Á espera que o bem transporte
O destino que há-de vir

O horizonte parece agora coberto pela nuvem
Pelo fumo fugido da cinza
Acarinhado no nevoeiro da manhã
Encobre o feiticeiro venenoso
Tornando o dia mais penoso

O vento volta a correr e a sentir-se
Pura brisa matinal que cura
Renasce o fogo que volta a viver
Volta a arder e a aquecer a vontade
Revive a esperança que morreu
Assassinada pelo choro
Canto dos anjos, sou coro
Calaram as angelicais profecias
Orações do bem conheceram o silêncio
E o descanso, os riachos e as rias
Triste tempo que no passado voa
E o canto dos anjos agora soa.

Hijos

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Hijos de la tierra
Nacidos del suelo
Viviendo de la misma
Intentando sobrevivir
Se sienten a morir

La pureza de la vida
A vivir entre los arboles
La sensación del viento
Y de la piel mojada
A esto acostumbrada

Lejos de la ciudad
Y apartado del miedo
Se siente la libertad
Es puro vivir así
Es puro vivir aquí

Dios ayude esta gente
Que depende del tiempo
Y del lloro del cielo
Que tienen en las manos
El alimento para sus hermanos

Personas con orgullo
Que saben lo que es vivir
Y todos los días tienen que sufrir
Para sus hijos alimentar
Y a ellos un futuro asegurar

Lamento hermanos amigos
Que la gente del oro
Nos pisotean con desprecio
Llora ahora mi corazón
Llora por nuestra perdición.

Amar

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Amor, quem sou eu para disto falar
Alguém que nem sabe o que é amar
Certamente nem sei o verdadeiro
Ou até se este mesmo existe
Sei, somente, que em mim assiste
A um sentimento selvagem e forasteiro
Vadio, verde e talvez inculto
Quem sou eu para gritar no tumulto
E que força tem a minha voz
Onde tantas palavras vivem sós

Posso brotar agora da terra
Como a frágil planta que busca o céu
Posso estar a começar a escalar a serra
E ainda com os olhos tapados por um véu
Mas desde que rebentei e a escalar comecei
A tamanha montanha que é a vida
Os sentidos e sentimentos desta subida
Já estalavam as reacções que aguentei
E por isso, se sinto porque tenho coração
Muito diferente dos outros sentimentos não são

É preciso sofrer para saber?
Não ser esfaqueado e como isso doer
Para finalmente dizer, sei o que é amar?
Ou somente, sei o que é por amor chorar?
Pois então digo, mergulhado na ingenuidade
E na inexperiência da minha tenra idade
Saber o que é amar é saber ser humano
Humano e não somente de carne e nome
Sê-lo por completo e sendo-o sabe sem saber
Que ama e sabe amar o bem que dele come.

Viagem

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Numa caixa móvel percorro
Distâncias sem fim mas com destino
Guiado por vontades e bondades
Onde num teste de perigo alinho
Não sei se vale ou não o risco
Ou se de uma armadilha sou o isco
Simplesmente não sei o fim do caminho

Posso, claro, na viagem onde vou
Para sempre fechar os olhos
Mas medos e perigos há aos molhos
Pois por isso com esperança estou
Que para trás imune fique
O mal que muitos outros matou

O coração nas mãos fica
De quem na terra vê partir
Os entes que em busca da terra rica
Da raiz do lar têm de fugir

Paisagens estranhas entranho
Pelas estradas das cidades entranhas
Procuro ovelhas para o meu rebanho
Procuro-as como procuro ser maior
Sou pequeno ainda… um grão
Uma mísera migalha de pão

Sinto a sede de novos mundos
Beber da sua essência de conhecimento
Crescer a conhecer onde me alimento
E assim cresço mas só se não esqueço
As palavras ouvidas e terras pisadas
De lugares longínquos e gentes afastadas

Mas luto e tenho de fazer por ser
Ou por vir a ser parte útil
De uma vida inútil que estou a viver.

Luar

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Fraca luz que à noite vive
E que dela e nela faz o seu trabalho
Como ela estou e sempre estive
Fraco, vivendo de remendo e atalho

Sentado nesta brisa aprecio a lua
E o que ela me dá neste momento
Aqui sinto a amargura da alma crua
Crua como uma planta verde ao vento

Não é triste o que agora sinto
Nem desolador este longe luar
Certamente porque as pedras finto
Na estrada pisada pelo meu andar

Tão fácil é caminhar pelo escuro
O escuro que vem dos olhos cerrados
Quando o luar te mostra o furo no muro
Onde possas pousar teus pés molhados

Molhados pela água que te faz falta
E escorregando nos anos de peso e dureza
Noite claramente pálida, lua alta
Dá-te olhos de ver à altura da pureza

A nós desejo que não nos falte luas
Da sabedoria, conhecimento e experiência
Pois cobrindo como cobre peles nuas
Dão-nos o conforto nesta nossa existência

E quantos dias não nos parecem dias?
E quantos minutos nos parecem horas?
Quantas companhias quentes ficam frias
E as boas oportunidades nos dão foras?

Todo o dia sendo dia para ti é noite
Se a luz dos astros não te guia
E qualquer nocturna sombra dói-te
Se a fé na luz não te faz companhia.

Teatro

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A minha vida não passa de um teatro
No fundo, a vida de todos é uma encenação
Não quero dizer que somos falsos e sem coração
Não, apenas somos actores e actrizes
Que das falas fazendo guiões e matrizes
Comandam a própria vida mais facilmente
Porque não é difícil ser outro, basta não se ser
Não ser quem costumamos ser disfarçadamente
Mostrar a outra fonte onde vamos beber
Pois não há em nós uma só fonte de vida
Somos simplesmente mais que apenas um só
Não vale a pena esconde-los debaixo do pó
Debaixo da inutilidade assim entendida
Sem querer de cada dia fazemos as cenas
Cenas em que somos outros para parecer bem
E para que sejamos apreciados também
Isto acontece porque é preciso ser-se um actor
Ser-se um actor da vida sem qualquer pudor
Todos nós os somos, todos nós os seremos
Todos nós seres humanos precisamos interagir
Relacionar, criar, ligar-nos a quem queremos
Mas nada é feito, nada é conseguido
Se o nosso personagem deixarmos escondido
Não tem que ser mau nem propriamente bom
Tudo é feito por segurança e auto-estima
Tudo isto é feito, como quem faz uma rima.