domingo, 22 de agosto de 2010

Funeral

.
Perduram os corpos jovens
Pela casa, pisando a ignorância
Pensando eles demais importância
E sem saber o que há-de vir
Sem saber o que ia acontecer
Nem na imaginação haviam sentir
Que durante essa luz corpo irá morrer

Recebida a notícia, choro desperta
E pela face lágrimas jorram de culpa
Gritos, estalam nas paredes, o desgosto
E a impossibilidade o coração aperta
Esmagando a alma no quente mês de Agosto
Onde o calor agora esfria e desconcerta

Um corpo tinha acabado o seu trabalho
E uma alma dela partido para o infinito
E gera-se a desavença gera-se o conflito
E quem tinha a estrada agora tem o atalho

E a profecia da vida se completa
E se contempla com a etapa final
Mas com uma vida cheia e repleta
Ao que a teve como nada fica igual
Mero cadáver, mera carne vazia
Que outrora cheia muito fazia

E desfilam agora picando o caixão
Os olhares humidamente salgados
Pelo sal da dor e da compaixão
Relembrando em vão os já apagados
Como esse que se apagou e vai no escuro
Ao encontro do assustador fundo duro
Onde pousará e passará a descasar
O fruto que agora apodrece
Pela mão da natureza a trabalhar
Embora enterrado jamais se esquece

As saudades se infiltram e esfaqueiam
As dos entes vísceras crentes
Sangrando a força e serrando os dentes
Dor maior que consome como chama
A lenha guardada para se aquecer
Agora arde com o fogo de quem ama
Neste lúgubre e frio anoitecer.

Vivência

.
Vivo e esqueço-me que vivo
E vivo com uma vontade imensa
De me tornar um ser que pensa
Porque sei que não penso ainda
Inunda-me a ingenuidade e não finda
E a ignorância que é viver
E a incapacidade de se ser

Sei e sei-o bem, que não sei
Que não sei o que é viver
Viver verdadeiramente
Sentir como quem sente e não mente
Saber e ter o poder de dizer
Que vivi e vivo para contar
Os segredos das pedras espinhadas
Que me magoaram já enfeitiçadas

Que me digam que não sei
Que não sei o que é a vida
Nem o que hei-de fazer dela
Talvez não saiba mas duvida
Que um dia poderei dizer
Fui feliz porque soube viver

Não é só porque mais anos tem
Que do tronco soube fazer a porta
Pois quem tem serra que não corta
Não faz do mal já feito, nada bem
Vivendo assim da árvore morta
Estagnado e a perecer continua
A lutar para que encontre o sentido
De uma vida que vive de uma alma nua

Escrevo nas folhas da inexperiência
As palavras da razão por que escrevo
Enquanto procurando no duro chão
Tento encontrar o esperado trevo
Que me dará a linha e guiará
O pesado comboio que anda a carvão
E que anda sem emoção em linhas perdidas
Linhas que por mim, hoje, são vividas
Perdurando sempre a vontade
De um dia valorizarem a minha idade.

Sorriso

.
Permanente símbolo de felicidade
E por vezes mero caso simpatia
Reflexo ou engano de uma bondade
Que ao disparar liberta empatia
Abre a alma e ilumina a luz
A própria luz que o sorriso seduz

Pode até abrir muitas portas
Mas antes, uma abriu primeiro
Oh sorriso que em fatias cortas
A leve brisa gelada de Fevereiro
Destrancas caminhos que se perderam
Nos tantos meses que se esqueceram

A luz trancada pela janela fechada
Na divisão abandonada vive a tristeza
Que apesar de ser parte isolada
Vive em comunhão e em realeza
Junto do verdadeiro valor da alegria
Valor esse que a felicidade cria

Tão simples gesto, simples sentimento
Por vezes difícil, melhor não mentir
Quando apoderado de tristeza e desalento
Ser-se puro e verdadeiro e não sorrir
Não nos enganarmos principalmente
Pois quem é puro e verdadeiro não mente

Mais que boas palavras conjugadas
São gestos que sentidos são transmitidos
Mais que frases bem estruturadas
É sorrir sem complexos corrompidos
Tão fácil assim lidar com a situação
Deixando no outro uma recordação.

domingo, 15 de agosto de 2010

Obstáculos

.
Porque aparece e para que surge
Pedras, obstáculos que travam meus pés
Que me estorvam enquanto o tempo urge
E em vez de andar me retarda ao invés,
Buracos no caminho
Dias sem carinho

Cais sem forças, cais sem apoio
Desacreditas no futuro, desconfias do presente
Queres que tudo acabe e pare o comboio
Que te leva a felicidade e a torna ausente
Julgando-te perdido
Sentes-te esquecido

Mas o que é uma estrada a percorrer
Sem percalços, sem nem sequer uma curva
Uma recta sem nada para se conhecer
Onde fixas o fundo e a visão te turva
Não consegues alcançar
Nem lá queiras chegar

Não queiras chegar tão cedo
E aproveita o caminho que agora corres
Mas aprende e aceita virar sem qualquer medo
Desviando-te da estrada onde aos poucos morres
Sem nada descobrir
Do novo que há-de vir

Não desiludas por uma curva não fazer
Não Desistas por uma pedra te ter magoado
Porque errar não quer dizer perder
Errar é apenas não acertar no dado
Responsável pela vida
(este jogo sem saída).

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Avó (soneto)

.
Sinto e sei que sentes avó
No meio de tanta gente, só
Sem o teu ombro para encostar
Ao teu lado para te confortar

Assim a vida no livro escreveu
As palavras vindas do céu
Ama quem te ajuda e apoia
Repudia quem te quer a jóia

Sozinha te deitas e levantas
Da cama que aquece sem mantas
A música da dor que cantas

E porque a idade já não mente
Fica no conforto desta gente
Que te ama e mantém quente.

Avó

.
Avó, seus passos já caminharam mais largos
Agora curtos percorrem já cansados
As memórias daqueles tempos passados
Em que andar era brincar com a distância
Era louvar a infância do sonho apagado
Sonho e sonhos que ficaram nessas linhas
Vazias e nuas daquele caderno rasgado
Pela pobreza que tenho em lembranças minhas
Lembranças não vividas mas bem ouvidas
Dos seus filhos incluindo minha mãe
Boa vida não tiveram, dizem, culpa sua
Por quase ser verdade viverem na rua
Miséria vivida, miséria passada e esquecida
Males tapados e escondidos por bocas fechadas
Não interessa mais a esta vida envelhecida.
Avó que sempre aos outros quis dar mais
Digo apenas o que vi e senti, não vos zangais,
Deixou o seu lar a descansar em paz
Já lá viveu o que tinha a viver e a passar
Largue-se dessas pedras, deixe para trás
Há muito mais que meras pedras para se amar
E marido, filhos, netos, bisnetos agora esperam
Que abra os olhos e aceite a dura realidade
Que a vida foge e se aumenta a idade
Se eu não for antes avó, deixará saudade.

Monstro

.
Reflecte-se no espelho pela manhã
O mestre pecado da verde maçã
Procuram os olhos meu reflexo
Mas encontram só, um nada virado
Invadindo sem piedade ou complexo
Meu esboço do corpo tirado

Não sabe o que vê? Sabe-lo bem
O coração que o meu corpo tem
Será dele o meu real problema?
Ou do monstro que vive sem renda
No seu confortável e diabólico lema
Reza assim o fim a velha lenda

De o tirar de mim sinto-me incapaz
Pois rouba-me a calma, leva-me a paz
Um outro eu que me apoderou
Ou até que sempre em mim viveu
Insatisfeito comigo próprio estou,
Vivo agora sem chão, vivo sem céu

Monstro que me comes por dentro
De um buraco negro sou o centro
Sugas todo o mal que te dá a volta
O mal que me rodeia e te procura
Quero largar-te e deixar-te á solta
Quero o bem que vem e te rotura.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Desilusões

.
Sentir bem ou bem sentir
Obedecer ao que se pedir
Sentir-se alguém
Que com a vida vive bem
Consigo mesmo a emergir
Das profundezas do mar
Que o afoga em mágoas
E nas lágrimas do seu chorar

Porquê nascer assim
Porquê tu o escolhido
Não te sintas ofendido
Por em ti ser posto o pé
De quem não tem fé
Ou até de quem acredita
Que é bom e não o é
Oh alma seja bendita

Não houve misericórdia
Dizes tu deitado em lamúria
Em desprezo e em fúria
Sem consenso nem discórdia
Pois não sabes porque nasceste
Nem porque o mal te aparece
Certo estou que recebeste
Uma bondade que perece

Assim és tu de alguém filho
Que te cria e ensina
Como uma espiga de milho
Que não sabe porquê ali
Nasceu e é cuidada
E um dia abandonada
Pelo caule que lhe deu vida
E agora a despedida

Só nos resta aceitar
Saber viver e respeitar
A diferença e a crença,
Aceita sem ofensa
O teu corpo e a tua alma,
Somos quem somos
Nem sempre o que fomos,
Vivem espelhos sem calma

Sem calma desesperados
Ou o teu reflexo apenas
Faróis apagados
Noites serenas
Deseja o dia e a luz
Para que se veja na cruz
Todas as tuas desilusões
Todas essas perdições.

sábado, 7 de agosto de 2010

Mistério

.
Quatro letras tem a palavra
Onde a primeira na terceira do quatro está
Procura a caixa e espera que abra
Com a chave de quem lá vá

Vive a segunda no inicio da montanha
Que se escala até ao cimo chegar
De baixo ao topo, sobe sem manha
Que o sentimento irás encontrar

Um casal já está feito
E o outro já vem a caminho
Encontra a terceira mesmo á beira
Ou no fim do teu carinho

Por fim na quarta será a quarta
Para terminar o que quero dizer
Só espero que para longe parta
O oposto a feliz ser.


(Decifra o poema e descobre a palavra)

Flor

.
Perdida entre tantas
Encontrei essa flor
A mais simples de todas
Me fez este favor
Encontra-la onde floresce
A mais linda flor que cresce

Em mais nenhum lugar
Te encontrava se não aqui
Jardim de mim para ti
Jardim sem fim a despertar

Caminhos me guiaram
Bem ao teu encontro
E a alegria eu demonstro
Às que para trás ficaram
Às mil flores que me roubaram
Para que te encontrasse
Louvado estou porque o fizeram
Os caminhos que me quiseram

Aqui nasce o lindo sol
Aqui morre a branca lua
Onde por de trás se pousa nua
A nuvem crua sendo mole,
A nuvem que me turva a visão
E ao coração impede de ver
A jovem flor que está a crescer

Porquê esta e não outra
No meio de tantas que eu vi?
Porque foi por esta e não por outra
Que algo diferente eu senti

Sem medo sem receio
Aproximei-me devagar
Entre elas corri no meio
Passos vagos e de acalmar
Pois cada vez mais perto estava
Da flor que iria cuidar

Vive agora em meu jardim
Esta flor de jasmim.

Pedras

.
Não sei o que escrevo
Nem porque escrevo
Sinto só que deva escrever
As palavras que estão a ferver
No meu corredio sangue
Para que este não se zangue

Mas porquê estas palavras
Tão pobres e míseras
Nem dignas de poeta são
Nem do coração ou das vísceras,
Vão-se esboçando sem emoção

Coitado de mim, onde vou
Pernas paradas, mão activa
E uma visão que me cativa
É o que me resta do que ficou
Ao longe na colina fina
Que me denuncia e magoou

Tristeza minha esta
Por não ser quem sonho ser
Mas tempo sobra e fica a ver
A tempestade que arruma a festa

Invoco alma triste
Que descreve o que vivi
Escreve na pedra o que senti
E na areia o que vi
Leva a água e esquece
As palavras que lá escrevi

Pedras da vida que se acumulam
Nas mãos que me seguram
Não esqueço o frio nem a dor
Que me puxam e empurram.

Caminhos

.
Um passo atrás do outro
Sigo a linha de um sonho
Talvez este não encontro
Mas de força disponho
Para continuar a percorrer
Esta linha sem temer

Oh medo que me travas
E que encravas meu andar
Solta-me das tuas cordas
Larga e deixa-me sonhar

Sombra insegurança
Falta de confiança
Sei lá eu o que me sobra
Faço ideia do que me estorva
Perdura a esperança

Palavras, gestos e sinais
Por onde e pelos quais
Caminhos sós vós andais?
Sem mim perdidos
Esquecidos de um sim
Mau olhar, olhar de lado
Fogo preso mal apagado
Luz da chama que acalma.

Oh vida! Porquê só em querer
Sou castigado por lutar
Sou mal tratado pelo ser
Que me revolve e quer matar
O que ainda resta para se amar

Talvez mereço o que aparece
O que me passa e acontece
Pelo mal que tenho feito
Por si só eu já aceito
Mas espero ser um dia alguém
Que por trilhos verdes vem
Com a sua cruz ao peito.