terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Eu

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Escrevo porque escrevo simplesmente
E faço-o como se vazio estivesse
Não sinto… não sonho as palavras
Saem ocas meramente
Saem como pedras de um rio
Molhadas, secadas somente pelo frio da gaveta
Ou pelo vento da sarjeta
Que soprado pelo desprezo de quem as lê
Depositam-se na lama que é a cama
De um escritor que não sente a chama
Não sente sequer o arder na alma
Dos versos construídamente sentidos,
(Sem sentimentos fingidos)
Mas sou obrigado porque não sei ser outro alguém
Outro alguém que escreve realmente o que sente;

Ai quem me dera ser poeta
Poetizar verdadeiramente e saber escrever
Quem me dera olhar as estrelas e poder ver
A aurora do lírico que me falta,
Poder apreciar o sumo da noite
Ou o calor do dia e daí tirar poesia…
Ai como me dói ser incapaz,
Mas não posso pedir mais que paz,
Paz comigo mesmo e com o nada que sou
Paz com o presente e com o passado que para trás ficou

(Oh senhores, verdadeiros literários
Como sóis vários e variados, serei eu também um?)

Gigantes das letras e da melodia das palavras
Procuro em vós uma razão para existir
Esta alma que em mim se faz emergir
Este pedaço de mim que não compreendo
Porquê em mim, porquê eu?
Nada disto caiu do céu, mas porque se escondia?
O que fez libertar este ser que escrevia
Nas paredes do meu coração nessa sua eterna solidão?

E agora,
Lêem isto e eu não percebo
Não entendo e me revolto
Prendo-me sem querer e não me solto,
Como de um momento para o outro mudei?
Como é que existia em mim e nunca por ele eu dei?
Questões que me encharcam de ignorância
Por na infância estar adormecido… ou talvez não,
Talvez nada disto tenha sido em vão
Talvez a tenha usado como um refúgio de ideias
De vivências e de experiências
Que moldaram o meu frágil barro
Com as suas mãos ásperas de dor
Frias – sem qualquer calor – e gretadas pelo mal.
Mas assim fui crescendo, fui sofrendo,
Beijado pelos dias que passavam indiferentes
Contados pelas horas de felicidade ausentes
Amargurados pelas chagas dos meus presentes!

E as vergonhas e os choros, tristezas e desilusões
Nada disto se me passou desconhecido
Nada disto merece comparação,
Apesar do próprio mundo ser uma completa comparação
Pois não teríamos noção se tudo fosse igual
Ou se um só exemplo conhecêssemos, é preciso comparar
E fazêmo-lo sem nos apercebermos
É instintivo, é o que destrói ou constrói
O ego de um ser qualquer… mas dói
Dói quando não pertencemos ao lado bom;
Quando somos o ruído de um som…

Como eu sofro e sofri por tudo o que vi e senti
Sinto e não desminto que muitas vezes fugi
Á dura realidade que me persegue
E á qual estarei sempre entregue.

Dores e mágoas que tento descrever
Nas palavras que agora estou a escrever
Sinto que não consigo, sozinho comigo,
Mergulhado na solidão que me educou
E fez de mim um alguém que não sou
Ou sou mesmo e não quero acreditar na realidade
E na infelicidade que é a podridão de uma alma,
Uma alma sem emoção que não aceita ajuda
Que por mais que seja dura, grita,
Grita invocando dos céus aquilo em que acredita
Luta contra os demónios que me atormentam o sono
E escuta a melodia do meu próprio abandono,
O despejo e o repúdio que sinto por mim,
A vontade de que tudo isto chegue ao fim
E eu seja livre, talvez já não em vida
Mas finalmente livre, realmente livre,
Do peso da maldade que me persegue e corrói
E a minha existência me mói
Que desfigura uma felicidade em mentira
E a alegria de ser verdadeiro me tira…

Como me cansa escrever,
É como se uma laranja fosse e me tivessem a espremer
E ficasse seca, sem mais nada para dar
Sem retorno ou voltar
Esgotado é como me sinto…

Escrevo porque escrevo e não sei porque o faço
Sou só um horizonte olhado por um vidro baço
Sou uma paisagem desértica
Sou como uma ave frenética à procura de espaço
Numa sociedade vulgar e desentendida.
Sou a árvore sem tronco,
Sou uma flor sem vida!

Oh meu Deus, perdoa-me por ser quem sou
Um ser a quem a alma o diabo levou
E agora? Que faço eu com este monte de carne
Mero invólucro sem valor… sem amor,
Pois tudo o que me fazia pouco, agora me vale de nada
Me vale tanto como na escuridão, uma vela apagada.
Assim sou eu… um vulto ofusco na noite
Uma sombra, pela luz do sol, morta
Uma escuridão que nem a lua conforta
Uma rua sem saída, uma casa destruída,
O escombro do desassossego…

Mas porquê falar de mim?
De assim falar estou eu cansado
Cansado de todo este enfado desnorteado
Desorientado como as minhas palavras,
Que por mais macabras que possam ser para mim mesmo,
Não me denunciam, pois em tudo que escrevo e escreverei
Irei mentir, e nunca mostrarei quem sou,
Talvez os códigos do que escrevo confessem
Os pecados, que o meu pano tecem,
Porque nem sempre me obedecem.

E o sonho, ai o sonho onde ele vai,
Será preciso morrer para reconhecido se ser?
Não sei, apenas experiências e vivências
Que os meus olhos captam involuntariamente
E que fingem temporariamente não existirem.
Oh, por mais que a vontade me tirem,
De me querer adivinhar num leque de bons
E me escureçam os tons do céu
Saberei sempre que ele é azul
Acreditarei sempre que um dia será meu...

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