quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

História

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Pisavam os pés o solto asfalto
Quando encontrei despejado na pedra
Um já velho molho de vida
Olhando o delírio da água em corrida
Num insólito riacho que ali jazia
Sendo um leve ruído
A única coisa que fazia

-Que faz homem, você aqui
Quase indiscernível da pedra
Sem ar de querer saber de si?
-Rogo e afogo mágoas, jovem
No fraco leito deste ribeiro
Desfocado pelo nevoeiro.

-Porquê mágoas meu senhor
Porquê nestas águas tenta você,
Livrar-se dessa suposta dor?
-Não sabes tu mas digo-te eu
Que só nós próprios nos curamos
Quando a nós próprios magoamos

-Que fez de mal na sua vida
Para que agora depois da juventude
Fujam-lhe as lágrimas sem partida?
-Não te irei escrever um livro,
É normal nessa tenra ingenuidade
Esse sentimento de curiosidade.

-Um livro não me irá escrever
Mas porque não me conta a razão
Por, na sua alma, estar a chover?
-Não chegam as margens deste rio
Para guiar a minha tempestade
Ou aguentar esta imensa saudade.

-Será então tudo isto nostalgia
Por já não haver hoje mais
O que no seu tempo havia?
-Enquanto vivo, tudo é meu tempo
E depois de velho ainda tento
Que não me leve a luz, este vento.

-Perguntas não lhe faço mais
Pois sei que não me irá responder
Assim como fez com as demais
-Pois a ti te digo, meu jovem
Que a todas as questões respondi
E que a nenhuma delas eu fugi.

Logo depois se levantou o homem
Sem mais nada dizer de sua boca
E desapareceu no nevoeiro cerrado
Como se nunca ali tivesse estado
Mas ali esteve ele, que eu sei
E num simples piscar
Do sonho acordei…

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